tag:blogger.com,1999:blog-23375950912546122522024-02-08T02:09:00.818-08:00Zé Adão BarbosaZé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.comBlogger18125tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-3567995953223080262009-04-02T09:12:00.000-07:002009-04-02T09:13:07.658-07:00Mensagem do Dia Mundial do Teatro 2009Dia Mundial do Teatro - 27 de Março, 2009<br />texto de Augusto Boal<br /><br />Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu cotidiano, e produzem espetáculos em momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social, e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de idéias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática - tudo é teatro.Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a platéia e a platéia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão habituados estamos a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa - nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: - "Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida".Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas casas com seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida!Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-49694146137550299112009-04-02T09:11:00.000-07:002009-04-02T09:12:10.206-07:00PORQUE LER OS CLÁSSICOS?texto de Bárbara Heliodora<br /><br />O ofício do ator requer que ele seja capaz de compreender e interpretar papeis os mais variados, e se ele pode ampliar e agilizar sua imaginação observando o mundo à sua volta, lendo os clássicos ele pode viajar pelo tempo e pelo mundo, a fim de conhecer mais exemplos da potencialidade humana, do mesmo modo que, viajando no mundo de hoje ele conhece outros povos, outras circunstâncias, outros comportamentos. Tanto o imediato quanto o longínquo o informam sobre comportamentos humanos, e um dos mais importantes motivos para se ler os clássicos é aprender a distinguir entre o contingente e o essencial, o que, no comportamento daqueles personagens, se deve às condições e pressões de sua época, o que se deve à própria condição humana.<br /><br />Os "clássicos", os que sobrevivem a um ou a vinte e cinco séculos, são justamente aqueles que mais objetivamente olharam para seu próprio tempo e, por isso mesmo, melhor o retrataram: não se lê os clássicos para exibir erudição mas para poder viver, imaginativamente, ambientes e situações diferentes dos nossos, mas que ampliam nosso horizonte, e provam que não há nada tão tacanho ou retrógrado do que quem diz sempre que diferente é pior, ou prefere ficar chocado a compreender o que se quis dizer. É claro que nem tudo que se explica se justifica, mas não há ator que possa fazer um bom trabalho sem compreender (e aceitar imaginativamente) as motivações de seu personagem.<br /><br />Os clássicos só merecem esse título porque souberam criar ou usar situações nas quais personalidades diversas se expressam em suas ações. Quando se fala em princípio, meio e fim, nos clássicos, isso não quer dizer uma peça mecanicamente bem feita, mas sim que ações têm conseqüências, e "dramático", na verdade, quer dizer passível de mudança: a situação a, no início da obra, é transformada em situação b, e com isso ilustram comportamentos humanos.<br /> Isso tudo, é claro, além do puro prazer da experiência estética, oferecida pela obra de alta qualidade que mereceu o rótulo de "clássica".Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-13556676222244601042009-04-02T09:10:00.002-07:002009-04-02T09:11:11.897-07:00RENATA SORRAHEu vim de uma família de classe média. Meu pai era judeu alemão; minha mãe, brasileira. Senti necessidade de romper um pouco com a família, me libertar de uma estrutura burguesa. Fui morar em Copacabana com Amir Haddad. Acho importante romper com coisas que te amarrem, que são caretas. Não é sair se drogando, ficar enlouquecido. É, sim, algo interior.<br /><br />Eu era muito tímida. Amir Haddad me pediu para dar um passo. Eu quis morrer. É uma linha muito difícil de ser transposta.<br /><br />Quando comecei a fazer teatro, meu pai perguntou se eu gostaria de ir para Londres estudar. Disse "não, meu lugar é aqui". Hoje eu já acho que você ganha experiência passando um ano fora. Não que seja essencial. Porque do que vocês vão precisar mesmo é daqui, da CAL.<br /><br />Para mim, faltou uma escola. É um tempo precioso, que nunca mais volta na vida. Comecei no Tuca - Teatro Universitário Carioca -, com Amir Haddad. Antes eu cursava psicologia e não sabia que queria ser atriz. Não pensava nisto. No início, então, fomos fazer "A Casa de Bernarda Alba" e eu interpretava Angústias, que só tinha uma fala. Ao final, Amir disse para o menino que estava testando: "você tinha uma atriz em cena e não percebeu". Amir disse que eu era uma atriz. Neste dia, acordei de um jeito e fui dormir de outro completamente diferente. Nunca mais pensei em fazer outra coisa.<br /><br />Depois, fui trabalhar numa loja de discos em Copacabana. Saí de casa porque achava que uma atriz não podia morar com os pais. Fui morar com Amir. Queria ser igual a Maria Gladys. Comecei a fazer alguns espetáculos, como "O Trágico Acidente que Destronou Tereza", de José Wilker, "Os Convalescentes", de José Vicente, e "Antígona", no Opinião. Sempre escolhi bem as peças que fiz. Buscava peças que poderiam tocar as pessoas.<br /><br />Além de Amir Haddad, trabalhei com Ulysses Cruz e Jorge Lavelle, que me dirigiu em "A Gaivota". De Tchekhov, além de "A Gaivota", fiz "As Três Irmãs". Considero um dos grandes autores. Para mim, Tereza Rachel foi a atriz que melhor fez Arkádina. Se com Amir fazíamos muitos laboratórios, Lavelle já trazia a peça pronta.<br /><br />Foi só em "A Gaivota" que resolvi meu problema de respiração. Se tivesse feito escola, não teria demorado tanto tempo. Naquela época, fui estudar com Glorinha Beutenmuller.<br /><br />Foi uma época das mais felizes da minha vida. Um dia, estava indo para o ensaio na Sala Cecília Meirelles e tive a sensação de que repentinamente tinha entendido tudo - o nosso tamanho em relação ao universo. "A vida é muito simples", disse. Isto era Tchekhov exercendo influência. E costumo ter a sensação de que não sei viver direito porque me atrapalho afetivamente. Mas no palco parece que sei. Tchekhov escreve de maneira tão inspirada que o ator tende a se tornar uma pessoa melhor.<br /><br />Se vou interpretar uma personagem de Tchekhov, sigo Stanislavski. Trabalhei com Celso Nunes, um diretor bastante próximo a Grotowski. Ele deve ter passado algo para mim, mas eu não estudei a fundo.<br /><br />Em "As Três Irmãs" eu era a mais velha do elenco. Disse para a Bia Lessa que não iria fazer. E ela respondeu: "a Olga que eu quero é você".<br /><br />De Shakespeare só montei "Noite de Reis", dirigido pelo Amir Haddad. Fiz ainda "Tango", "As Lágrimas Amargas de Petra von Kant", "Afinal, uma Mulher de Negócios" e "Os Veranistas", que abriu o Teatro dos Quatro. Levamos ótimos textos lá.<br /><br />Eduardo Tolentino estava na Polônia e disse que pensou em mim ao assistir a uma peça. Pensei: "é uma mulher louca". Sempre interpretei mulheres fortes, pesadas, comprometidas. Mesmo quando fiz uma comédia, "Shirley Valentine", ensaiei como se fosse sério. Só percebi que era engraçado quando chamei amigos para ver. Mas as peças mais fortes costumam ser as mais interessantes.<br /><br />Sou muito amiga de Juliana Carneiro da Cunha, com quem trabalhei em "Lágrimas Amargas de Petra von Kant". Juliana integra o Théâtre du Soleil, dirigido por Ariane Mnouchkine. Eu participei de um workshop com máscara balinesa dado pela Ariane. É muito difícil. Eu não consegui.<br /><br />Gostaria de fazer "O Jardim das Cerejeiras", mais Shakespeare e também textos contemporâneos. Matheus (Nachtergaele) quer montar comigo "Longa Jornada Noite Adentro", que a Cleyde Yáconis fez lindamente. Também nunca fiz Nelson Rodrigues e Plínio Marcos. Zé Celso até me chamou para fazer "Senhora dos Afogados".<br /><br />Fiz muito pouco cinema. Houve a época das pornochanchadas horrorosas. Cheguei a participar de uma sem saber: "Lua de Mel e Amendoim". Às vezes, passa no Canal Brasil. Mas tínhamos também Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos. Com Julio Bressane fiz "Matou a Família e foi ao Cinema", um clássico, estranhíssimo mas bacana. Recentemente, participei, em pequenos papéis, de "Madame Satã" e "Árido Movie".<br /><br />Tenho pena de não ter podido experimentar mais. Antigamente, quem fazia teatro não era chamado para cinema. Diziam que a tendência era ficar teatral no cinema. Na TV, os diretores também falavam "joga fora o texto". Hoje em dia, acho que os veículos já não estão tão distantes. Emendei "Medéia" na novela "Senhora do Destino" e foi ótimo porque estava bem exercitada.<br /><br />Aprendi com Amir que quanto melhor você faz uma personagem, quanto mais se entrega, melhor sai do teatro porque desentope todos os canais. Se você faz de verdade, a personagem fica no palco. Antes de mergulhar em Medéia, pensei: "como vou interpretar uma mãe que mata os próprios filhos?" Mas não precisa. Percebi que se fosse capaz de passar por todos os sentimentos contando a história, o matar os filhos já estaria pronto quando chegasse o momento.<br /><br />Fiz "Antígona" no começo da minha carreira e ficava no camarim me batendo para entrar em cena no clima. Aí Isabel Ribeiro precisou sair da peça e eu, que fazia Ismênia, assumi o papel de Antígona. No ensaio, tudo é permitido. Mas, justamente porque temos a memória do ensaio, não precisamos nos bater antes de entrar em cena. Com Bia Lessa, fazíamos exercícios de simulação de dor física. E essa dor acaba reverberando, como uma dor interior.<br /><br />Dependo muito do diretor. Antes diziam que eu era uma atriz emotiva que fazia, posteriormente, a passagem para o racional. Um outro diretor me disse o contrário. Quando fui fazer "As Três Irmãs", Bia Lessa dividiu todo o texto e pediu para fazermos cenas que trouxessem um elemento surpresa. No final deste processo, a peça estava pronta. Já Gabriel Vilella tinha um outro jeito peculiar de dirigir em "Mary Stuart". Eu me entrego ao diretor.<br /><br />É importante fazer boas peças, escolher bons textos, levar o trabalho para todo o Brasil. Não ficar só no conhecido, pensando: "esta peça é ótima porque vai dar dinheiro, só tem dois atores". A cada escolha que você faz, está renascendo.<br /><br />Comecei a produzir em 1985. Vinha fazendo ótimas peças, até que assisti uma na Alemanha: "O Grande Pequeno", de Botho Strauss. Era tudo o que eu queria dizer. Mostrei para três ou quatro pessoas mais velhas que queriam produzir, mas acharam muito alemão. E eu pensei: "e os moradores do minhocão, e as mulheres sozinhas naquelas janelinhas?" Quero falar sobre isso. Decidi produzir. Chamei Celso Nunes para dirigir, um produtor executivo, consegui um patrocínio na Petrobras e apresentei no Teatro BNH. Contratei todo o elenco e foi uma experiência muito boa. Se você não tem um grupo, pode formar um.<br /><br />É uma dor no último dia de apresentação, quando você está se despedindo do texto. Lembro bastante de "O Grande Pequeno".<br /><br />Procuro escolher um texto bacana, recusar o que não acho legal. Escolha feita, passo a ler tudo sobre aquele autor. Se vou fazer Medéia, por exemplo, já sei de cara que é uma mulher com tais e tais características, rejeitada, etc. Levo tudo isto mas também zero.<br /><br />Fazer uma personagem é um mistério. Você pode interpretar de mil maneiras. Eu faço do jeito que entendo, com a minha experiência de vida.<br /><br />Psicologia pode ajudar o ator porque lá você estuda o funcionamento das outras pessoas. Não falo nem por mim, que interrompi o curso no segundo ano. Também acho bom o ator fazer análise. E sociologia também porque somos seres políticos.<br /><br />Hoje em dia nós somos heróis. Estreei no auge da ditadura. Era a época do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), das passeatas, de Edson Luís. Mas, por incrível que pareça, tínhamos gana de trabalhar. Isso é algo que não podemos perder. O teatro é um veículo de colocação do ser humano.<br /><br />Quando eu vejo a cara de um certo público, penso: "eles só querem ver determinado tipo de peça". É um toma lá, dá cá, que está difícil. Às vezes, o ator fala: "ah, aquele público chato de sábado". Eu sei que é chato ver a cara do público de teatro de shopping. Então, procure outro lugar. Não podemos ser engolidos pela mesmice, pelo teatro que não quer dizer nada. As pessoas mais sensíveis vão procurar o teatro e ele as acolhe.<br /><br />Não sei o que é talento. Acho que você nasce com ele. Mas conheço atrizes que não eram talentosas, batalharam e conseguiram se impor. Canastrão não tem jeito. Mas às vezes você erra no diagnóstico porque a pessoa pode ser tímida, estar se escondendo.<br /><br />Não acho que qualquer pessoa pode ser ator. Banaliza a nossa profissão. Me parece que é um resquício de quando os atores eram meio bobos da corte. E você não vai ao dentista e pede a consulta de graça. Agora, o ator recebe pedidos deste tipo da pessoa que conheceu no dia anterior.<br /><br />Casting é burrice. Só chamam a pessoa para fazer um tipo de papel. Um absurdo. José Dumont é um ator maravilhoso. Mas é convidado para interpretar os mesmos tipos.<br /><br />Falta dramaturgia brasileira, autores nossos. Escreveram "Vau da Sarapalha" lá na Paraíba e foi maravilhoso. O Brasil é riquíssimo. Há grupos no Norte que se não conseguem vir para o Rio estão ferrados. Então, seria importante um intercâmbio, mas também garantir a sobrevivência deles por lá. Shakespeare e Tchekhov são maravilhosos, mas os brasileiros também - afinal, são a nossa identidade, o nosso DNA. E não faço Shakespeare como se estivesse em Londres. Por isso, o Amir é maravilhoso.<br /><br />Há também o problema educacional. Geralmente, teatro não é dado no colégio. Seria possibilitar às pessoas gostar de teatro desde pequeno.<br /><br />No Grande Teatro, atores como Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e Sergio Britto fizeram muitas peças da dramaturgia universal. Era teatro na televisão. As pessoas adoravam. Acredito realmente que muita gente gosta de teatro. Mas perderam o costume.<br /><br />Eu não entendo um programa como "Big Brother". É horrível. Parece, inclusive, que os reality shows estão decaindo no mundo inteiro. Só no Brasil que permanece. A minissérie "JK" era bacana, mas era exibida muito tarde por causa desse "Big Brother".<br /><br />No dia seguinte em que a novela de que você está participando termina, perguntam: "você não vai mais trabalhar não?". Quando fica mais velha, a pergunta é pior: "já se aposentou?"<br /><br />Não dá para negar o alcance da televisão. É um veículo onde você está exercendo a sua profissão. Há novelas boas e ruins. Dias Gomes era ótimo. Também gosto de Braulio Pedroso e Aguinado Silva. Mas vocês não devem pensar em televisão agora.<br /><br />Vocês, atores jovens, devem se juntar no começo da carreira. Escolher uma peça de que gostem. Se não tem dinheiro, de que maneira pode ser feito? O grupo que apresentou "Hysteria" veio ao Rio sem patrocínio. Não dá para esperar pelas condições ideais.<br /><br />Nunca fiz teatro infantil. Vejo como uma responsabilidade enorme.<br /> Já me convidaram duas vezes para assumir a função de diretora, mas não tive coragem.Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-66698622882139591882009-04-02T09:10:00.001-07:002009-04-02T09:10:43.634-07:00SERGIO BRITOFormei-me em medicina em 2 de janeiro de 1948. Quatro dias depois estreei em ”Hamlet”, no Teatro do Estudante. Passado pouco tempo não era mais médico e sim ator. Tive sorte. Minha família aceitou a mudança.<br /><br />Sabia pouco sobre Jung. Amigos começaram a me mandar livros. Lia e não entendia nada. Até que uma amiga me enviou o livro escrito por Nise da Silveira sobre ele.<br /><br />Jung me fez voltar atrás. Comecei a me lembrar da minha vida. <br /><br />Jung diz que o ator busca seu material mais importante quando dorme, nos sonhos. Quando fiz “Jung e Eu” passei a sonhar imediatamente: com a minha vida antiga, o Teatro dos Sete, o Teatro de Arena, minha família. Outra noite sonhei que estava ensaiando minha tia numa peça do Eduardo De Filippo.<br /><br />O ator fica tão ligado na personagem que sonha com ela e descobre coisas. Isto também é Jung.<br /><br />Para fazer personagens, muitas vezes tenho que descobrir em mim o que existe de monstruoso. Jung prova que todo o ser humano tem em si todas as possibilidades. Pode desenvolvê-las ou não. Para Jung, a sombra é o que existe de ruim em nós. Todos nós temos qualidades e defeitos. A sombra é o que sabemos que temos, mas recusamos. O melhor é trabalhar com ela. Para o ator é uma maravilha. Tudo o que ele pode ser de ruim está lá para ajudá-lo.<br /><br />Meus amores costumavam se queixar de que eu não os amava o bastante. É que minha libido era maior em relação ao teatro. As pessoas que amei ficaram em segundo plano. Quando estou representando uma peça e a coisa acontece inteiramente, tenho um orgasmo. Discreto, mas absoluto.<br /><br />Acho que é uma sorte, mas quem não sente isto deve desistir porque o teatro é o amante mais cobrador do mundo.<br /><br />Passo todo o texto antes de começar a peça. Faço isto em todos os dias de apresentação. Consegui convencer algumas atrizes a dizer o texto comigo. Em “Assim é se lhe parece”, Yara Amaral e Cristina Pereira tinham uma grande cena comigo e, meia hora antes do início da sessão, passávamos as falas no palco. E olha que naquele tempo fazíamos duas sessões no sábado. Daqui a pouco, o teatro vai virar um evento de domingos.<br /><br />O teatro foi se tornando cada vez mais perigoso para mim. Sinto medo. Uma das maiores atrizes do Brasil, Cleyde Yáconis, tremia de medo antes de começar ”Lágrimas Amargas de Petra von Kant”. Ficava fazendo carinho nela antes das sessões.<br /><br />Numa tragédia grega, um ator famoso costumava virar para o coro e fazer caretas. Não acho graça. Na verdade, acho idiota e cafajeste.<br /><br />O ator é um louco. Alguém duvida? Decorar um papel e representar para uma platéia uma personagem que não é você...O ator não tem que entrar numa personagem a ponto de ninguém reconhecê-lo. Precisa representá-la.<br /><br />Representar é perigoso. Senão, não tem graça. A cada fala, é preciso estar à beira do precipício.<br /><br />Se o ator é aquele que vai mexer com todos os sentimentos, sensações e atrações possíveis não podem trabalhar superficialmente. Não pode fazer o que a televisão indica: grandes atores fazendo caricaturas de homossexuais. É uma brincadeira meio sinistra. <br /><br />José Wilker interpretou um homossexual na montagem de “Os Filhos de Kennedy”, que dirigi. Era uma personagem que foi massacrada por dois marinheiros quando estava vestida de Carmen Miranda. A cena tinha que ser rigorosa e durava o tempo exato de uma música de Maria Callas.<br /><br />Wilker tinha a capacidade de acreditar no que fazia. Foi o maior ator de uma época. Trabalhou com Rubens Corrêa, fez peças incríveis. Era um ator especial, desligado do realismo psicológico banal. Estourou na praça de maneira violenta. Na TV, fez uma dupla homossexual com Otavio Muller. Foi uma anedota, assim como a outra dupla formada por Diogo Vilela e Luiz Carlos Tourinho.<br /><br />Estou tentando não usar máscara nenhuma e falar com vocês de verdade. Mas há uma tendência desagradável em cada um de nós em ser persona. Ocasionalmente, o homem tem grandes qualidades, mas acaba preferindo a persona a si mesmo. Além do ator, o médico é vítima de persona. Não é à toa que muitas pessoas começaram na medicina e passaram para o teatro.<br /><br />Às vezes, estou conversando com alguém e começo a impressionar. De repente, percebo que estou armando minha persona. Resolvo me divertir. Conquisto a pessoa, manejo. Até o momento em que olho bem e pergunto: você está acreditando em tudo o que eu estou dizendo? Estou representando há meia hora. É um jogo muito divertido. Mas consciente.<br /><br />Nos últimos anos, fiz “A Longa Jornada de um Dia Noite Adentro”, talvez a maior peça do século XX. A personagem do pai de Eugene O’Neill era a de um ator que fez sucesso numa única peça, “O Conde de Monte Cristo”. Fez seis mil vezes esse papel. Uma tragédia. A vida passava e ele não saía do mesmo papel. O dinheiro passou a ser muito importante para ele. Foi ficando ambicioso, egoista, ranzinza. As relações familiares não eram nada boas, mas o amor independe disso.<br /><br />Era natural que o teleteatro acontecesse naquele momento. Fiz umas 400 peças. A novela pertencia ao rádio. Mas começaram a achar que se gastava muito dinheiro com o teleteatro.<br /><br />Em “Outono e Inverno”, a linguagem é complicadíssima porque há cruzamentos de palavras. Lars Norén coloca toda a violência que tem sua raiz em Strindberg. Os noruegueses, suecos e dinamarqueses são doentes. E assumem sua doença com clareza fora do comum. <br /><br />Um dia perguntei a Eduardo Tolentino: “como vou resolver em cena essa personagem que fala tão pouco?” Ele disse para eu inventar o que quisesse. E me fez um grande elogio: “você é o ator mais disponível que conheci na vida”. Essa disponibilidade decorre da leitura. Criei uma continuidade em cena. Minha personagem mexe na meia, toma porre, quase dorme. Fiquei tão livre que voei e, às vezes, esquecia de dizer o texto. Não é a peça mais importante como trabalho, mas como processo e experiência de realização não há nada parecido.<br /><br />É preciso se habituar a ler teatro nos espaços vazios, nos ônibus e nos bondes.<br /><br />Ainda em “Outono e Inverno”, o processo de improvisação de cada fala me levou a não intelectualizar. Porque ali é tudo muito simples.<br /><br />Não fazia cinema há muito tempo. Participei agora de “O Maior Amor do Mundo” de Cacá Diegues, e foi outro aprendizado: interpretei sem gestos e sem franzir testa, nariz e boca. Limpei tudo. Dá vontade de voltar a fazer as peças de que participei ao longo da carreira sem os maneirismos.<br /><br />Décio de Almeida Prado escreveu: “Sérgio Britto é um ator jovem com uma certa força dramática. Pena que grite tanto” Gritava porque estava ficando surdo. E não percebia.<br /><br />Não tenho uma montagem preferida. Posso citar “Tango”, “Fim de Jogo”, dirigida por Amir Haddad, “Quatro vezes Beckett”, “Quartett”, ambas assinadas por Gerald Thomas, “O Beijo no Asfalto”, que foi escrita para nós, atores do teatro dos Sete, e é considerada por Barbara Heliodora a melhor peça de Nelson Rodrigues.<br /><br />No Brasil, o teatro é o irmão paupérrimo das artes. Não conta com nenhum auxílio verdadeiro ou sólido.<br /><br />Cada vez mais, atravesso momentos de dúvida: ainda tem sentido fazer teatro? O teatro está muito ruim. O fato de haver três ou quatro peças boas não quer dizer nada. Barbara Heliodora, às vezes dura demais, dura de menos, apontou uns 30 espetáculos inqualificáveis este ano. Quase sempre ela tem razão.<br /><br />Em São Paulo, o teatro é muito melhor do que no Rio. Lá, o governo se preocupa. Tentar melhorar a qualidade de vida de um povo é fornecer teatro. Pintura, música, ópera, literatura, tudo é importante. Mas nada mais do que uma peça. Por mais que domine um texto, o trabalho do ator será diferente a cada dia. Eu não posso mudar as intenções para não render meus colegas, mas sempre busco fazer algo diferente.<br /><br />Ultimamente, tenho feito trabalhos importantes. Será sorte ou tenho determinado? Não vou na primeira proposta. Mas vocês, alunos, que estão saindo da escola não fiquem esperando. Façam qualquer coisa e comecem a escolher depois de dois ou três anos.Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-58383340246131233712009-04-02T09:09:00.000-07:002009-04-02T09:10:00.661-07:00LILIA CABRALQuando fazia escola de teatro, a cada vez que anunciavam que alguém importante iria falar conosco, eu e meus colegas nos sentíamos como se estivéssemos indo para Harvard. Assisti a palestras com Gianfrancesco Guarnieri, Lelia Abramo, Cleyde Yáconis, Juca de Oliveira, Myriam Muniz, Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi. Quando me fizeram o convite de vir aqui conversar com vocês, quem se sentiu prestigiada fui eu.<br /><br />Quando gravei um “Você Decide” com o Guarnieri, lembrei a ele que uma vez ele deu uma palestra na EAD e disse que sempre o admirei muito na profissão. Ele disse que era um prazer trabalhar comigo. Ele disse isso por causa do respeito pela profissão, pelo prazer de trabalhar como ator, não importa ao lado de quem.<br /><br />Desde pequena vivi num mundo solitário. Sou filha única e meus pais, imigrantes, sempre trabalharam muito. Quando fui estudar numa escola experimental observaram que eu tinha tendência a ser líder. Sentia que tinha domínio sobre a minha presença. Depois, quando fui para uma escola tradicional não me deixaram fazer mais nada. Só que, nessa época, já tinha de 16 para 17 anos e comecei a me aproximar da arte.<br /><br />Jamais poderia dizer a meu pai – italiano, conservador – que queria ser atriz. Aos 19 anos disse que iria trabalhar. Mas fui participar da seleção da EAD. Caso fosse aprovada, teria que contar ao meu pai. Não sabia para o que torcer. Acabei passando. Lembro de Lolô (Lourival Prudêncio) ligando para a minha casa, às quatro horas da manhã, dizendo “você passou”. Fiquei dois anos na EAD sem meu pai desconfiar. A vida foi me mostrando um caminho.<br /><br />Um dia tive que contar ao meu pai que estava fazendo teatro. Mas aí tinha 21 anos e não corria mais o risco de apanhar. Já trabalhava, ganhava meu dinheiro, podia me sustentar.<br /><br />A escola foi uma das coisas mais importantes da minha vida. Tive professores maravilhosos, diretores que me incentivaram. Sempre fui muito transparente e sofri por causa disso. Não deixava de dizer o que sentia. Nunca escondi que queria fazer cinema, teatro e televisão. Fazia publicidade e ganhava o meu dinheiro.<br /><br />Quando a escola acaba você sente uma truncada. Não é que o sonho tenha acabado, mas entra a realidade, que não é fácil. Surgem situações que você não sabe resolver. O começo da profissão é muito difícil porque, às vezes, há muita injustiça. Tudo precisa ser enfrentado e o resultado pode demorar a aparecer. Mas se você realmente enfrentar, um dia acaba conseguindo.<br /><br />Dos 20 alunos da minha turma sobraram quatro: eu, Lolô, Olayr Coan e a Bel, que hoje dá aula. Na turma acima da minha, só o (Edson) Celulari. As outras pessoas deixaram de fazer teatro porque é muito difícil.<br /><br />O teatro recompensa. Você pode fazer um fracasso, mas, com o passar dos anos, percebe o quanto aprendeu. Para mim o mais difícil foi sobreviver na TV e no teatro. Causei ciúmes. Quando você começa a fazer um certo sucesso, as pessoas não deixam propriamente de ser suas amigas mas de conviver e de te escutar. E dentro da TV fazemos um amigo por novela.<br /><br />Odavilas Petti foi meu professor na EAD. Quando acabou a escola, fez um espetáculo, chamado “Seda Pura e Alfinetadas”, texto que Leilah Assumpção escreveu para o Clodovil. Eu fazia uma manequim. Ficava parada e no começo do espetáculo, as pessoas não sabiam se era um boneco ou uma pessoa. No segundo ato, ficava lá parada ouvindo o Clodovil falar sobre o caso do pai com o tio. Não era o que eu queria para a minha vida. Mas foi a primeira oportunidade de trabalho que surgiu. Não acrescentou na minha carreira como atriz, mas fui vista por muita gente. Foi por causa desse trabalho que Paulo Betti me convidou para fazer “Feliz ano velho” e que um diretor da TV Bandeirantes me chamou para a novela “Os Imigrantes”, de Benedito Ruy Barbosa.<br /><br />Ganhamos muito dinheiro com “Feliz Ano Velho”. Fazíamos apresentações de quarta a domingo, sendo que duas sessões a cada dia no final de semana. Todas, lotadas. Dividíamos o dinheiro entre nós, sob a forma de cooperativa. Guardava o dinheiro porque queria me mudar para o Rio de Janeiro. No último dia de apresentação em São Paulo, convidei meu pai para assistir. Nessa noite fui aplaudida seis vezes em cena aberta. Quando terminou, meu pai foi ao camarim e eu perguntei se ele tinha gostado. Ele respondeu: “Se você é tão aplaudida assim é porque tem o seu valor”. Antes ele achava que quem fazia teatro era prostituta por causa do teatro de revista, do teatro do rebolado.<br /><br />Antunes Filho dizia para mim e para Hugo Della Santa que nós iríamos trabalhar com ele. Acabei não indo porque sabia que a carteira voaria na cabeça dele. Não conseguiria me adaptar ao jeito dele por causa do meu temperamento. É um encenador deslumbrante, mas se fosse trabalhar com ele não teria a chance que obtive num espetáculo tão aquém do que gostaria de fazer, mas que acabou me abrindo portas.<br /><br />Em “O Baile de Máscaras”, eu fazia um papel muito pequeno. Pensava: por que o Mauro (Rasi) me chamou? Mas comi pelas beiradas e o papel acabou se tornando significativo. E foi graças a esse espetáculo que conheci a Cleyde (Yáconis) que me estimulou muito a fazer um monólogo (“Solteira, casada, viúva, divorciada”) que me deixou muito feliz.<br /><br />A partir da minha experiência em “Divã”, percebi que não adianta querer brilhar sozinha. Já fiz espetáculos tentando derrubar o colega porque ele estava me sacaneando e vice-versa. Posso dizer com categoria que não vale a pena.<br /><br />Marcelo (Valle) faz yoga e Alexandra (Richter), exercício de voz. Yoga me dá sono. Também não gosto de exercício físico. Não sou disciplinada, nesse sentido. Sei colocar a voz e gosto de pular com música alta. <br /><br />Entro concentrada em cena, mas é um estado que busco desde a hora em que saio de casa. No Teatro Vanucci, onde apresentamos “Divã”, muitos espetáculos são apresentados. É uma rotatividade bem grande. Por causa disso, quando chego ao teatro tenho que entrar pelo banheiro feminino, que geralmente está sujo, para chegar a um puxadinho, onde ficamos eu, Marcelo, Alexandra e dois diretores de cena. Falamos baixo para não atrapalhar o espetáculo que terminará 15 minutos antes do início do nosso. Não tenho o teatro, mas uma vaga durante uma hora e meia.<br /><br />Há momentos em que é importante em que o trabalho termine. O seu corpo pede. Você se sente instigado a fazer coisas diferentes. Já quando se despede de outras personagens é a morte. Foi assim com a Marta, de “Páginas da Vida”. Fiquei doente, com labirintite. Não me dei conta da intensidade com que trabalhei.<br /><br />Eu e (Marcos) Caruso nos entrosamos muito. O fato de sermos paulistas ajudou. Temos o mesmo tom, quase as mesmas histórias. É um ator que realmente ouve em cena. Se ele tinha que se sentir diminuído, que transmitir fraqueza, fazia. Qual é o ator que gosta de aparecer assim?<br /><br />Se eu tivesse 10 anos a menos não teria conseguido fazer a Marta. Quando li o primeiro capítulo já estava lá a mulher amargurada, infeliz, preconceituosa. Quando fui compor a personagem, pensei: “não vou fazer o que os vilões fazem”, no sentido de pontuar uma postura de “eu sou o vilão”. Interpretei-a como uma pessoa normal. Ela falava “estou pouco me lixando para a minha neta” como “me dá um copo d’água”. Assim, mais pessoas iriam acreditar que aquela personagem existia.<br /><br />Fazer novela significa ficar doente. A temperatura do estúdio é de 10º e as pessoas fumam no camarim.<br /><br />Já contracenei com gente insuportável. Mas temos que agüentar. Na TV não adianta tentar competir, fazer prevalecer a sua vontade, porque há o corte. Você só vai conseguir criar brigas internas. No teatro ou você agüenta ou pede para sair. Às vezes, é bom agüentar porque é importante passarmos por determinadas experiências, sobrevivermos a elas.<br /><br />“Tieta” foi, inicialmente, um terror na minha vida. Tinha acabado de sair de um sucesso – Aldeíde Candeias, de “Vale Tudo” – e pensei que estava com a vida ganha. Paulo Ubiratan me chamou para o elenco de “Tieta” e eu achei que faria o papel de uma mocinha deslumbrante, que acabou ficando com a Luiza Thomé. Aí ele me disse que eu iria interpretar a dona Amorzinho. Perguntei quem ela era. Ele me disse: “uma beata”. Paulo avisou que precisava de mim nesse papel. Joana Fomm interpretava Perpétua e eu e Rosane Goffman ficávamos em volta dela sem fazer nada. É uma situação em que você pensa que está tomando um tombo, mas não. Acabamos fazendo um sucesso danado. Paulo Ubiratan precisava de nós porque não sabia se a Joana Fomm, apesar de excelente atriz, seguraria sozinha um papel daquele tamanho.<br /><br />Na época do governo Collor, muita gente foi mandada embora da Globo. “Pantanal” fez sucesso na Manchete e vários atores voltaram. Depois de “Pedra sobre Pedra”, a Globo me chamou para renovar o contrato e ofereceram o mesmo salário, na base do quer, muito bem, não quer, paciência. Nesse meio tempo, o SBT passou por uma reformulação em sua programação e Nilton Travesso me chamou para trabalhar lá por um salário três vezes maior. Iria participar de uma novela do Flavio de Souza, dirigida pelo Fernando Meirelles. Mas, de repente, o Silvio Santos não quis mais a novela. Resolveram investir em outra novela, “Éramos seis”, em que não havia papel para mim. Aí Boni mandou me chamar e voltamos todos. Silvio Santos conseguiu perder um monte de gente: Irene Ravache, Marcos Caruso, Nuno Leal Maia, Osmar Prado, Denise Fraga, Ana Paula Arósio, que estava começando.<br /><br /> Não gosto muito do ator que é intenso de verdade. Você chega e diz “oi, como vai?” e ele responde “mas eu pensei que naquela cena...”. Tive aula com Sábato Magaldi, que nos ensinava a como não incorporar as personagens. Ele dizia basicamente que nós tínhamos que ser um interruptor: há a hora em que estou interpretando e o momento em que termina. Eu não vou ficar 24 horas convivendo com esse infeliz – se for o caso. O fato de eu não abrir a boca para falar “ah, porque eu pesei que naquela cena...” não significa que não esteja concentrada. Quando entro no set viro outra pessoa. Mas, até entrar, tenho minha casa, minha família, meus amigos, minha vida.Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-17706095081374666402009-04-02T09:07:00.000-07:002009-04-02T09:09:29.494-07:00CLAUDIA GIMENEZComecei fazendo teatro infantil no Tijuca Tênis Clube junto com Bia Seidl. Já naquela época queríamos ser atrizes. Não éramos sócias do clube, mas nos aceitaram. Ficamos por lá durante um bom tempo.<br />Formamos um grupo de teatro amador e passamos a fazer aniversário de criança. Em determinados sábados chegávamos a fazer três festas. Encenamos todas as peças da Maria Clara Machado e da Silvia Orthof. Era como sobrevivíamos.<br />Até que soube de um grupo que fazia teatro na Veiga de Almeida. Antonio De Bonis era professor e estavam montando “Hoje é Dia de Rock”. Ganhei o papel da filha cega (Rosário). Fiquei revoltada. E olha que era a personagem mais difícil da peça. Mas eu queria movimento. Até que a atriz que fazia a mãe (Adélia) ficou grávida. De Bonis ia chamar uma outra atriz para substituí-la. Só que eu disse para ele: “ah, não. Agora é a hora de eu entregar essa cega de volta”. Ensaiei à beça e ele me deu o papel.<br />Um outro grupo também estava montando “Hoje é Dia de Rock” no Theatro Municipal. A atriz que interpretava a mãe ficou doente e me “pediram emprestada”. Participei da apresentação de um outro grupo, com outro elenco, sem saber marcação nenhuma. Foi muito engraçado.<br />Damião (Carlos Wilson) me disse que haveria uma montagem de “Ópera do Malandro” e passou o contato do Luiz Antônio Martinez Corrêa. Fui na casa dele, disse que era atriz, ainda que não profissional, perguntei se ele não tinha nenhum papel para mim na montagem. Ele era adorável. Começou a falar sobre um monte de coisas e eu não entendia nada. Mas gostou de mim. Disse para eu fazer um teste com John Neshling. Passei e fui fazer “Ópera do Malandro”.<br />Estava fazendo “Ópera do Malandro” em São Paulo. O José Possi Neto me deu “Valsa nº6” para ler. Botei na gaveta e ficou lá um tempão. Até que um dia peguei para ler. Liguei para o Possi e disse: “Você está doido. Como eu vou fazer isso? É muito dramático”. Não aceitei. A temporada da “Ópera” terminou e peguei o texto de novo. Decidi chamar a Louise Cardoso para me dirigir. Ela não pode e sugeriu que eu procurasse a Sura Berditchevsky, que topou na hora. Chamamos um psicanalista junguiano para trabalhar conosco porque a “Valsa nº6” é repleto de simbologias. Foram quatro meses de ensaio. Aprendi a tocar um pedaço da “Valsa nº6” sem nunca ter encostado num piano. Estudávamos mitologia. Considero o meu melhor trabalho.<br />Na época ainda não fazia televisão. Viajamos o Brasil todo com a peça. Até que apresentei no Teatro Paiol, em Curitiba. Anos depois voltei à cidade com “Como encher um Biquíni Selvagem”, no Guairão. No último dia disse ao público: “estive aqui há anos atrás com ‘Valsa nº6’ no Paiol e vocês não foram me ver. Mas jurei que um dia ainda iria lotar esse Guairão”.<br />Em “Ópera do Malandro” cantava “Folhetim”. Um dia, os músicos deram a introdução da música e eu, ao invés de começar a cantar “Se acaso me quiseres...”, cantei “O primeiro que chegou...”. E fui até o fim. A partir deste dia passaram a perguntar: “o que você vai cantar hoje?”<br />Tenho vontade de dirigir Mariana Ximenes numa montagem de “Valsa nº6”. Já falei várias vezes, mas ela tem medo.<br />Participei de uma montagem de “Cândido”, de Voltaire, dirigida pelo Jorginho (Jorge Fernando). Eu ia interpretar a ama, mas Maitê Proença teve algum problema e saiu do espetáculo. E aí Jorginho decidiu me colocar no lugar dela, fazendo a Cunegundes. Eu perguntei a ele: “como vou fazer coreografias, danças, rolamentos?” Naquela época estava uns 20 quilos mais gorda do que hoje em dia. Ricardo Blat fazia meu namorado. Cantar não era o problema, mas dançar... E num elenco formado por Cláudio Tovar, Paulete, Tania Nardini e Mônica Torres. Fiz uma personagem estilizada.<br />Mauro Rasi escreveu “Batalha de Arroz num Ringue para Dois” para mim e Miguel. Na época eu não pude fazer e o Miguel decidiu montar com a Bia Nunes. Muitos anos depois, o Mauro ficou muito doente e eu e Miguel decidimos montar. Até para ele poder ver encenado – afinal, tinha escrito para nós. Acho que foi o último presente que pudemos dar a ele.<br />Fiquei muitos anos ligada ao exercício da comédia. Mas chegou um momento em que o histrionismo começou a me incomodar. Eu estava me sentindo mais Claudia do que as personagens. Pensei: “quero ver se sou atriz mesmo. Vou fazer 50 anos e quero fazer um trabalho que fale sobre família”. Porque quando a gente chega nessa idade começa a querer juntar tudo o que sobrou da infância e da juventude. E a pensar o que vamos levar daqui para frente. Um amigo psiquiatra sugeriu “No Natal a gente vem te buscar”. A ficha caiu. Liguei para o Naum (Alves de Souza) e chamei a Analu (Prestes), que participou da montagem com Marieta (Severo), para participar da leitura.<br />Foi um trabalho muito difícil. Naum é das antigas, tem um método de trabalho bastante diferente de tudo o que já fiz. Eu queria desesperadamente buscar o humor no texto, mas percebi que precisava esperar o humor me buscar. Houve um momento em que quis desistir. Porque o texto tem cenas bastante dramáticas, bem difíceis para mim. Um dia cheguei em casa e pensei: “estou querendo provar o que e para quem? Vou botar Ana Beatriz Nogueira no meu lugar e ficar apenas na produção”.<br />Eu queria me emocionar, mas comecei a perceber que tinha que emocionar a platéia. Sou uma atriz. Não tenho que fazer catarse todo dia em cena, no sentido de ficar lembrando do meu pai que morreu, da minha mãe que vai morrer daqui a pouco. Tudo bem que haja algumas apresentações em que nós nos emocionemos, a própria platéia nos fornece isto de vez em quando. Mas há dias mornos, em que nada de especial acontece, e o ator precisa chegar lá e fazer aquela cena dramática. Entendi que um bom método para quando não estiver com a emoção bombando dentro de mim é procurar visualizar cada palavra antes de falar. Aí o texto não sai da boca para fora.<br />Marieta Severo fez a Solteirona de um jeito diferente do meu. Afinal, ela nunca exercitou a comedia como eu. Então, abordou um outro lado da personagem.<br />Marieta foi a minha primeira colega de camarim e me ensinou muito sobre disciplina. Ela ensaiava 12 horas seguidas.<br />Em relação a Ernani (Moraes), o vi pela primeira vez numa peça do Grupo Tapa , “A Megera Domada”. Fiquei encantada. Tem uma autoridade cênica que nunca vi em outro ator. É uma criança, como todo ator deve ser. Fizemos uma novela juntos (“Torre de Babel”) e depois “Pequeno Dicionário Amoroso” no teatro, um espetáculo que apresentamos durante quatro anos. Quando surgiu o projeto de “No Natal a gente vem te buscar”, ele já estava dentro. Nem que não tivesse personagem masculino – ele faria algum feminino...<br />Ary Fontoura foi um colega muito importante para mim. Uma noite falei com ele: “há uma construção de piada no texto, mas que acaba não funcionando em cena”. Ele disse: “vai lá e divide em duas respirações”. Fiz e o teatro veio abaixo.<br />Adorei trabalhar com a Cleyde Yáconis. Uma colega maravilhosa. Pensava: “como vou fazer a personagem do meu jeito contracenando com ela, toda elegante?” Mas ela me aconselhou a botar para quebrar porque assim criaria um contraponto divertido entre nós duas.<br />A relação com o meu pai nunca foi legal porque ele ignorava a minha existência. Quando meu pai morreu, saí do enterro para fazer a “Ópera do Malandro”. Se você estiver em cartaz num momento difícil da sua vida, como aconteceu comigo quando tive câncer, o teatro é restaurador. Muitas vezes quando estava em cartaz, me vi resolvendo coisas dentro de mim. Durante a apresentação, resolvia a questão.<br />Depois de sobreviver a um câncer, tudo muda na sua vida. Fazia quimioterapia e vomitava 12 horas seguidas. E depois, desmaiava. Acho que “No Natal a gente vem te buscar” também tem a ver com a cirurgia cardíaca que fiz.<br />Marcello Mastroianni dizia: “de onde mais posso tirar as emoções para o meu trabalho senão de minha própria vida?” Todos os personagens que o ator faz são lados dele. Acho que me tornei uma atriz e uma pessoa melhores a cada processo doloroso que vivi.<br />Redimensionei muito as coisas. Dei o tamanho que elas têm. Hoje em dia é preciso que algo de muito grave aconteça para me tirar do eixo.<br />Minha mãe queria que eu fizesse faculdade, como as minhas quatro irmãs. Mas eu nunca gostei de estudar. Minha mãe era mais chamada no colégio do que eu. Odiava o colégio, queria sair dali de qualquer jeito. Até o dia em que xinguei a Madre Superiora e fui expulsa. Fui mostrando para minha família que o melhor seria procurar o meu caminho – e que aquele, definitivamente, não era.<br />Meus colegas me pediam para não faltar à aula de religião. Já era palhaça desde aquela época. Sempre gostei de platéia.<br />Eu acho errado, mas não estudo nada. Só a peça que estou fazendo. Se não fosse atriz, seria psicanalista. Se sento para estudar alguma coisa, costuma ser ligado a esta área. Já li vários livros de Freud e Jung.<br />Cheguei a cursar um pouco da Escola Martins Pena, mas só assistia à aula do Luiz Carlos Maciel. Não posso mentir. Não sou uma estudiosa e sim uma intuitiva.<br />Hoje vejo os meus sobrinhos com dificuldade de escolher carreira. Digo: “escolham o que dá tesão. Senão, serão medíocres”.<br />Quando você entra em cena, o público já te acolhe. Porque você é gordinha – então, dão um desconto.<br />Tempo de comédia ou é fácil ou é impossível. Você nasce ou não com aquilo. Há colegas que dizem: “não vou fazer peça com você. Não sou bobo”.<br />Nunca fiz uma vilã. O principal é o personagem ter a ver comigo. Se for uma vilã engraçada, pode ser que dê certo.<br />Adoro teatro infantil. Se você consegue prender a atenção de uma platéia de crianças, consegue qualquer coisa na vida. Fiz “A Bela Aborrecida”, um musical do Paulo César Coutinho. Ficamos um ano em cartaz. Mas sobreviver de teatro infantil é difícil porque só tem aos sábados e domingos e na hora de escolher a maior parte dos atores acaba optando pelo teatro adulto.<br />Lembro que uma vez levei minha sobrinha de três anos para assistir a uma montagem de “João e Maria”, do Daniel Herz. Ela ficou com tanto medo que me perguntava a todo momento: “é tudo de mentira, né?” Era peça infantil, mas parecia filme do Bergman. Adoro o Daniel, mas aquela montagem...<br />Daniel fazia Faculdade de Economia. O pai dele é um alemão bravo. Ele decidiu largar economia e pensou: “como vou falar isto para o meu pai?” Eu disse: “deixa que eu falo”. Fomos jantar na casa dele e eu disse para o pai que ele iria largar economia e fazer teatro. O pai perguntou: “e enquanto ele estiver tentando, quem vai sustenta-lo?” Eu respondi: “você”. Ele disse: “está bom”.<br />A televisão tem o seu encanto. Sem falar que é uma vitrine maravilhosa para lotar o teatro.<br />O trabalho de que mais gostei na TV foi a “Escolinha do Professor Raimundo”. Trabalhei com Walter D’Ávila, Nadia Maria, Berta Loran. Foi a minha Sorbonne. Fiquei lá durante seis anos. E a melhor novela foi “Torre de Babel”.<br />Saí de “7 pecados” e podia ter montado uma comédia romântica com o Rodrigo (Phavanello). Mas optei por um outro caminho. Para mim fazer “No Natal a gente vem te buscar” é uma experiência. Porque normalmente as pessoas não querem mexer em time que está ganhando.<br />Para o “Sai de Baixo” chegávamos em São Paulo na segunda de manhã, ensaiávamos até a tarde. Aí entrava a primeira platéia. Fazíamos e entrava a segunda platéia. Fazíamos de novo. Depois o diretor editava as duas apresentações.<br />O texto era muito fraco, mas havia as brincadeiras particulares entre eu e Miguel. Nós trazíamos a coxia para a cena.<br />Tom Cavalcanti é humorista. Faz imitações muito bem. Uma vez estávamos no palco e ouvimos barulhos de duas mulheres brigando na coxia. Corremos para ver o que estava acontecendo e era ele fazendo as duas.<br />É maravilhoso trabalhar com Jô Soares. Um craque no que faz. Mas é um humorista, que gosta de contar histórias.<br />Chego ao teatro, vou me maquiando, entrando no clima, tomo um cafezinho, falo uma bobagem. Antes de entrar em cena, rezo e falo: “o Espírito Santo habita em mim”. E entro em cena. E só o que eu faço.<br />Não sei se cinema é para mim. É uma arte muito elaborada e delicada e sou uma atriz mais espaçosa. No cinema o diretor diz “menos, “menos”. Vou fazer sempre que me chamarem, mas meu veículo é o teatro.<br />Não fiz “Polaróides Urbanas” pelo seguinte: escrevi “Como encher um Biquíni Selvagem” junto com o Miguel. Fiquei sete anos em cartaz com esta peça, na qual interpretava todos os 11 personagens. Se hoje, inclusive, posso fazer só o que quero, foi o “Biquíni” que me proporcionou isto. Quando surgiu o projeto do filme, fui na leitura do texto. Eu iria fazer as irmãs gêmeas, Magda e Magali. Mas percebi que havia uma amálgama unindo aquelas personagens. Vi que não seria bom para mim. E fiquei com ciúmes ao ver outros atores falando o meu texto. Disse: “Miguel, vou te privilegiar com a minha ausência”. Não me arrependi e adorei o filme.<br />Quero montar “Gota D’água”, com direção de Antonio De Bonis. Eu ia fazer, mas Isabella (Bicalho) já estava com os direitos.<br />Os teatros de São Paulo têm 1500 lugares; aqui, 480. Lá ganhamos mais dinheiro. Mas o público é igualmente encantador nas duas cidades.<br />Quase todas as peças que faço, produzo. É bobagem contratar um profissional para produzir porque sei que as montagens farão sucesso. Mas há pessoas que sempre me ajudam nesta empreitada.O ator tem que saber a hora de parar – mas só quando estiver dentro de um caixão.Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-81306189698391961692008-06-25T11:23:00.000-07:002008-06-25T11:24:48.254-07:00GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS DE TEATRO<div align="justify">ABRAÇADEIRA: Peça de metal em vários modelos para fixação ou conexão de elementos e peças. Utilizados na amarração de varas e outros equipamentos cenográficos.<br />ACÚSTICA: A qualidade da sala de espetáculos no que diz respeito a transmissão do som. Problemas acústicos geralmente são complexos em sua natureza e muito dinheiro e horas de trabalho podem ser economizados com a consulta de um engenheiro ou arquiteto especializado desde o início do processo de projeto de um teatro.<br />ADERECISTA: Profissional que executa as peças decorativas e/ou os adereços cênicos do espetáculo. Faz escultura, entalhe, molde em gesso, bonecos etc.<br />ADEREÇOS: Acessórios cênicos de indumentária ou decoração de cenários. "O espetáculo não tinha uma cenografia implantada, era todo feito à base de adereços que entravam e saiam de cena a todo momento". Objetos de cena.<br />ALABAÇA: Pedaço de madeira com cerca de 1m, usado para fazer a emenda de duas partes de um longo sarrafo. Pode ser também a emenda de uma vara, uma americana ou um elemento cênico.<br />ALÇAPÃO: Abertura do chão do palco, dissimulada aos olhos dos espectadores, para encenar efeitos de aparição e desaparição de atores ou objetos cênicos.<br />ALDRAVA: Tranqueta de metal com que se fecha a porta, com dispositivo que permite abrir e fechar por fora. Um tipo de tranca ou fechadura.<br />AFINAÇÃO: Na cenotécnica é o ajuste das varas ou peças de vestimenta cênica para nivelamento de suas alturas e distâncias, geralmente efetuado através da correção do comprimento de cordas ou cabos de aço, esticadores e alinhamento de cadarços ou barras.<br />AMARRAÇÃO: É a fixação final do cenário. Depois de o cenário estar de pé, colocado no lugar, faz-se a amarração, usando-se pedaços de sarrafo, esquadros, mãos francesas etc., para que o cenário não balance. Mais comum em cenários de gabinete.<br />AMERICANA: Estrutura geralmente de madeira, feita em forma de treliça, onde se penduram cenários ou cortinas. Normalmente ela tem um comprimento longo e uma largura aproximada de 30cm. Corresponde a uma vara, só que estruturada para receber mais peso ou vencer grandes vãos.<br />APONTAR: Aponta-se um prego quando ele não é enterrado até o fim. O prego fica com a cabeça uns 5mm para fora, facilitando a sua retirada quando necessário. Muito usado quando o cenário ainda não está fixado, ou quando tem-se que montar e desmontar o cenário muitas vezes por semana.<br />ARARA: Uma estrutura feita em madeira ou metal, onde se colocam os cabides com os figurinos do espetáculo. Normalmente ficam nos camarins ou nas coxias do palco. Geralmente é feita com dois pés laterais ligados no alto por um cano ou madeira arredondada.<br />ARENA: Área central de forma circular, onde acontecem espetáculos teatrais. Palco do teatro grego. Área central coberta de areia, nos antigos circos romanos. Arena (picadeiro): o espaço central do circo onde se exibem os artistas da companhia.<br />ARQUIBANCADA: Estrutura onde são fixados assentos simples ou bancos para o público. Geralmente utilizadas em espaços alternativos e salas multi-uso.<br />ARQUIBANCADA RETRÁTIL: Estrutura telescópica com assentos e encostos dobráveis, que pode ser recolhida até atingir a profundidade de uma fileira. Utilizada para organizar as tipologias cênicas de uma sala multi-uso ou teatro black-box.<br />ARQUITETURA CÊNICA: Estruturação e organização espacial interna do edifício teatral, relacionando diversas áreas como cenotécnica, iluminação cênica e relação palco-platéia. É toda arquitetura que se relaciona mais diretamente com o espetáculo.<br />ASSOALHO: Pavimento de madeira que forma o piso do palco. O piso do palco de teatro deve ser executado em madeira por alguns importantes motivos: facilidade de implantação (fixação) do cenário, som, e estabilidade dos atores. A madeira mais indicada para sua execução é o freijó, geralmente montado em pranchas com encaixe macho-fêmea.<br />AUDITÓRIO: Edifício projetado e equipado para atender à realização de conferência ou eventos que não envolvam maquinaria cênica. Devem ser atendidas necessidades básicas de som e luz de acordo com os requisitos específicos.<br />BALCÕES: Níveis de assento para o público localizados acima da platéia. Geralmente são dispostos no fundo da sala. Podem avançar pelas paredes laterais até a boca de cena, arranjo que é muito encontrado em teatros do tipo ferradura.<br />BAMBOLINA: Faixa de pano, normalmente preta, que, seguida de uma série de outras situadas no interior da caixa cênica de um palco italiano, se une aos bastidores ou pernas, para completar o contorno do espaço cênico (mascaramento da cena). São as bambolinas que fazem o acabamento na parte superior do palco, não permitindo que sejam visíveis para a platéia as varas de luz e demais equipamentos.<br />BAMBOLINA MESTRA: Equivalente à primeira bambolina do palco, é utilizada quando não é necessária ou possível a instalação de um regulador horizontal junto à boca de cena. Equivalente a um bastidor horizontal e pode ser executada em tecido como as demais bambolinas, mas geralmente é uma peça rígida.<br />BASTIDOR: Armação feita de madeira, forrada de tecido, que pode ser disposta nas partes laterais do palco para estabelecer, junto com as bambolinas, a especialidade desejada para o palco. Podem substituir as pernas ou formar com elas um conjunto para a definição das coxias. As vezes o bastidor também é usado como peça de cenografia, nas composições de fundo ou paredes de cenários.<br />BILHETERIA: Lugar do teatro onde se vendem, trocam ou reservam ingressos para os espectadores.<br />BOCA DE CENA: Abertura frontal do palco que delimita horizontal e verticalmente o espaço visual da cena. Recorte na parede frontal do palco, pode ser variada através do uso de reguladores verticais e horizontais.<br />BIOMBO: Conjunto de dois ou mais painéis/tapadeiras montados em ângulo, autoportantes.<br />BONECO: Figura de trapo, louça, madeira, plástico, papier-machet etc., que imita um ser humano. Muito usado em teatro como adereço cênico. Termo também usado para significar o modelo de um programa ou cartaz.<br />BONECO DE VARA: Boneco montado em varas, para permitir movimentos. Espécie de fantoche.<br />BORBOLETA: Tipo de porca com duas aletas, com aperto manual, usado em conjunto com parafusos passantes de rosca. Facilita a montagem e desmontagem de peças do cenário.<br />CABINE DE CONTROLE: Sala geralmente localizada ao fundo da platéia, onde são instalados os equipamentos para controle dos sistemas de controle dos equipamentos cenotécnicos, de iluminação cênica e sonorização. CAIXA CÊNICA: Volume do palco. A caixa onde se situam todas as estruturas do palco e os maquinismos cênicos.<br />CAMAREIRA: Encarrega-se da conservação das peças de vestuário utilizadas no espetáculo, limpando-as, providenciando a sua lavagem. Auxilia os atores e figurantes a vestirem as indumentárias cênicas, organiza o guarda-roupa e embalagem dos figurinos em caso de viagem.<br />CAMARIM: Recinto da caixa dos teatros onde os atores se vestem e se maquiam.<br />CAMBOTA: Um painel de madeira em forma curva, usado muitas vezes para fazer as partes curvas do ciclorama ou um canto de parede. CANTONEIRA: Peça em madeira ou perfil metálico em forma de L para reforçar quinas ou ajustar cantos de peças de cenários.<br />CARPINTEIRO TEATRAL: Profissional que executa peças cenográficas: portas, janelas, mobiliário, sanefas e demais objetos projetados pelo cenógrafo.<br />CARRETILHA: Pequena roldana, em ferro, usada com cordas para facilitar a subida ou decida de elementos cênicos.<br />CATA-CABO: Uma peça geralmente de ferro, usada em palcos giratórios. Essas peças são fixadas em toda a volta da estrutura do giratório e servem para manter o cabo de aço preso para puxar a estrutura quando ela roda. Geralmente é uma cava ou uma ferragem em forma de ‘U’. Também existem as caixas de catacabos (elétricos), que normalmente se situam nas varas de luz e recebem o cabo de alimentação de força quando ela é levantada.<br />CENÁRIO: Conjunto dos diversos materiais e efeitos cênicos(telões, bambolinas, bastidores, móveis, adereços, efeitos luminosos, projeções etc.) que serve para criar a realidade visual ou a atmosfera dos espaços onde decorre a ação dramática; cena, dispositivo cênico.<br />CENÁRIO DE GABINETE: Nome dado geralmente a cenários realistas que possuem três ou mais paredes e reproduzem quase sempre um interior de casa ou apartamento.<br />CENARISTA: O mesmo que cenógrafo.<br />CENOGRAFIA: Arte e técnica de criar, projetar e dirigir a execução de cenários para espetáculos de teatro, de cinema, de televisão, de shows etc.<br />CENÓGRAFO: Aquele que faz cenários, idealiza o espaço cênico. Cria, desenha, acompanha e orienta' a montagem do projeto cenográfico.<br />CENOTÉCNICO: Aquele que domina a técnica de executar e fazer funcionar cenários e demais dispositivos cênicos para espetáculos teatrais.<br />CICLORAMA: Grande tela semicircular, geralmente em cor clara, situada no fundo da cena e sobre a qual se lançam as tonalidades luminosas de céu ou de infinito, que se deseja obter. Nele também podem ser projetados diapositivos ou filmes que se desenvolvem alternada ou paralelamente à ação física dos atores. Ciclorama ou infinito, fundo infinito, cúpula de horizonte. Hoje, mais usual em televisão que em teatro, e muito utilizado em ópera.<br />COMER GATO: Termo usado pelos pintores de cenário, quando alguma pequena área é esquecida de pintar e fica visível ao público. Diz-se que o pintor 'comeu um gato'. A pintura precisa de um retoque.<br />CONTRA-PESO: Sistema usado em teatro para aliviar o peso das varas que prendem cenários, cortinas, pernas ou bambolinas. "Estava fácil subir e descer as varas: elas estavam contra-pesadas".<br />CONTRA-REGRA: Elemento encarregado de cuidar dos cenários e objetos de cena, indicar as entradas e saídas dos atores, dirigir as movimentações dos maquinismos cênicos, distribuir horários e informes.<br />CORDAS DE MANOBRA: Cordas usadas para montar a manobra que movimenta um cenário. Em geral são em número de 5, que prendem uma vara ou gambiarra ou americana.<br />CORDA COMPRIDA: Nome dado à corda mais distante de onde estão sendo puxadas as manobras.<br />CORDA CURTA: Nome dado à corda mais próxima do lugar onde estão sendo puxadas as manobras. CORDA DO MEIO: Nome dado à corda que fica bem no meio da vara ou gambiarra.<br />CORDA MEIO COMPRIDA: Nome dado à corda que fica entre a comprida e a do meio.<br />CORDA MEIO CURTA: Nome dado à corda que fica entre a curta e a do meio.<br />CORTINA: Peça, geralmente em tecido, que resguarda o palco. Abre e fecha lateralmente, ou sobe e desce por mecanismo apropriado. Também chamada em teatro de ‘pano-de-boca’.<br />CORTINA ALEMÃ: Cortina teatral inteiriça, atada na parte superior a uma barra horizontal móvel, e que se eleva verticalmente para abrir a cena. CORTINA A POLICHILENO: Cortina teatral, inteiriça, com um tubo na extremidade inferior, e que se abre ao ser levantada por duas cordas que a enrolam de baixo para cima.<br />CORTINA CORTA FOGO: Cortina confeccionada em tecido anti-chamas para proteção contra incêndios. Uma variação desse equipamento é a ‘porta corta fogo’, elaborada em material rígido com os mesmos propósitos.<br />CORTINA DE BOCA: Cortina de boca de cena que caracteristicamente se movimenta nos sentidos laterais, fechando ou abrindo nas mudanças de atos, encerramentos ou aberturas das sessões.<br />CORTINA DE MANOBRA: Cortina leve, situada atrás do pano de boca e que é baixada quando uma troca rápida de cenário deve ocorrer sem interromper o espetáculo ou quando os atores, nas cenas de ligação, passam a representar no proscênio, diante dela.<br />CORTINA RÁPIDA: Abertura ou fechamento súbito do pano-de-boca para a obtenção de determinados efeitos cênicos. Pano rápido.<br />COXIA: Nos palcos de teatro, espaço situado atrás dos bastidores. Pode ser ainda um assento móvel, normalmente com dobradiças, usado quando as poltronas normais já estão ocupadas. Uma espécie de cadeira improvisada.<br />CUBO: Denominação, característica de teatro e televisão, dada a um praticável de lados iguais, totalmente fechado.<br />CUTELO: Pregar um sarrafo ‘de cutelo' é pregá-lo de pé, no sentido da sua grossura. O sarrafo pode ser utilizado deitado ou de cutelo.<br />DISCO GIRATÓRIO: Elemento que possibilita a ampliação de possibilidades cênicas. Trata-se de um trecho de piso em forma de disco apoiado sobre o palco ou embutido nele (quando então é chamado de palco giratório). Pode constituir-se de um único, grande, ou de dois ou três menores. Não se aplica a qualquer projeto cenográfico. É próprio para espetáculos com muitas mudanças de cena.<br />DIMMERS: Equipamento chave do sistema de iluminação cênica que possibilita o controle da intensidade de funcionamento dos refletores e seu acender e apagar, através da ligação de uma mesa de comando de iluminação cênica.<br />EDIFÍCIO TEATRAL: A arquitetura do teatro na sua totalidade: palco, platéia, administração, saguão de entrada etc. Edifício construído especialmente para que existam condições ideais na encenação de peças, musicais, óperas etc.<br />ELEVADORES: Divisões do piso do palco com movimentação para cima e para baixo. Pode alcançar toda a largura ou comprimento do palco, ou apenas parte deles; podem ser movimentadas juntas ou separadamente, sempre com espaços certos de parada, formando degraus acima ou abaixo do nível normal do palco. O controle pode ser manual, elétrico, hidráulico etc. Existem elevadores que, além de subir e descer, possibilitam inclinação e montagem de rampas. Trata-se de mecanismo próprio dos palcos dos grandes teatros.<br />ESCADA: Elemento usado normalmente em composições de cenário, aparecendo ou não em cena. Quando não visível pelo público, chama-se ‘escada de fuga’. É usada como instrumento de montagem.<br />ESCADA DE CORDA: Também chamada de ‘escada de circo’. Normalmente duas cordas laterais que fixam os degraus em madeira. As vezes uma corda única cheia de nós, por onde sobem ou descem os atores.<br />ESCADA DE MARINHEIRO: Escada vertical aplicada diretamente sobre a parede, com ou sem proteção. Muito comuns em teatros mais antigos, não é recomendada para projetos novos, por questões de segurança.<br />ESCORAS: Todo tipo de armação para sustentar ou amarrar um elemento cenográfico: esquadros, cantoneiras, sarrafos, mãos francesas etc.<br />ESPAÇO CÊNICO: Espaço onde se dá a cena. Em teatros tradicionais coincide com o palco; em espaços alternativos pode chegar a abranger toda a sala. ESQUADRO: Peça em madeira ou metal, própria para fixação de tapadeiras ou painéis. Um L em ângulo reto, onde se fixa o lado maior da tapadeira e o lado menor no piso, com pregos ou simplesmente com peso.<br />FANTOCHE: Boneco, geralmente feito de tecido e papier-machet, em cujo corpo, formado pela roupa, o operador esconde a mão, que movimenta por meio do dedo indicador a cabeça, e com o polegar e o médio, os braços.<br />FIGURINO: Vestimenta utilizada pelos atores para caracterização de seus personagens de acordo com sua natureza, e identifica, geralmente, a época e o local da ação. Traje de cena.<br />FIGURINISTA: Aquele que cria, orienta e acompanha a feitura dos trajes para um espetáculo teatral. Deve possuir conhecimentos básicos de desenho, moda, estilo e costura.<br />FOSSO DE PALCO: Espaço localizado sob o palco, acessível por meio das aberturas das quarteladas e alçapões, onde são instalados elevadores, escadas e outros equipamentos para efeitos de fuga ou aparição em cena.<br />FOSSO DE ORQUESTRA: Espaço localizado à frente do palco, em nível mais baixo, destinado ao posicionamento da orquestra. Muito comum em teatros que abrigam óperas ou grandes musicais. Poucos teatros brasileiros o possuem.<br />FORRO ACÚSTICO: Nos teatros, os forros da platéia geralmente devem possuir propriedades acústicas apropriadas para a difusão e reflexão do som com o uso da sala em espetáculos musicais e de voz falada. Sua geometria e materiais componentes devem ser cuidadosamente calculados e especificados. FOYER: Em um edifício teatral, recinto adjacente à sala de espetáculos, para a reunião do público antes, depois ou nos intervalos do espetáculo.<br />FRISAS: Em um teatro italiano com forma de ferradura (como geralmente são os grandes teatros dos séculos XVIII e XIX), série de camarotes situados junto às paredes de contorno da sala, no nível da platéia.<br />FUGA: Espaço destinado as saídas de cena dos atores, muitas vezes por detrás de uma perna ou rotunda, ou mesmo por rampas e escadas em pontos não visíveis pelo público.<br />FUMAÇA: Em teatro, deve-se utilizar fumaça produzida a partir de produtos químicos inodoros, não tóxicos ou prejudiciais aos atores e público, que não manche o cenários ou figurinos. Geralmente é produzida fumaça no palco a partir do processamento de fluidos especiais em máquinas específicas para esse fim, chamadas de ‘máquinas de fumaça’. A fumaça é utilizada para se obter efeitos cênicos, tanto por parte da cenografia quanto da iluminação cênica.<br />FUNDO NEUTRO: Nome dado ao pano de fundo, à rotunda, ou mesmo ao ciclorama, quando esses não têm nenhuma interferência de desenho ou elemento cênico. Normalmente, possui uma cor única: branca, preta ou cinza.<br />GAMBIARRA: Vara de refletores e/ou luzes brancas ou de cores variadas, situadas uma ao lado das outras, ou na face interior da boca de cena, acima do arco do proscênio, ou no teto da platéia, a alguns metros de distância do palco, para iluminar a cena. Termo utilizado também para designar instalações improvisadas de cenotécnica ou iluminação cênica.<br />GALERIA: Nível localizado acima dos balcões, com assentos contínuos para os espectadores. Acompanha as paredes laterais e de fundo da sala de espetáculos.<br />GALHARUFA: Termo usado em tom de brincadeira jocosa, comum no meio teatral. O profissional veterano revela ao iniciante que a sua bem-aventurança no teatro depende de uma galharufa, uma espécie de apadrinhamento. Espécie de trote.<br />GANCHOS: São usados nos cenários, às vezes até improvisados, para pendurarem-se elementos cênicos, cordas, roupas etc.<br />GARRA: Peça com várias opções de formato para fixação de refletores e outros equipamentos às varas de cenografia e iluminação cênica.<br />GELATINA: Folha de material transparente, geralmente de poliester ou policarbonato, posicionada em frente aos refletores para colorir ou filtrar luzes. Encontram-se disponíveis no mercado gelatinas de inúmeras cores, em diversos tons. Fundamental quando se deseja utilizar cor para desenhar a cenografia.<br />GOBO: Disco em metal ou vidro utilizado para a projeção de efeitos luminosos, principalmente em refletores elipsoidais. Utilizados para mascaramento do feixe de luz. São encontrados em diversos padrões. Os gobos em vidro podem ser coloridos. Fundamental quando se deseja utilizar cor para desenhar a cenografia.<br />GORNE: Um tipo de polia em madeira, geralmente um grande carretel, por onde passam as cordas para suspender ou abaixar elementos cênicos. Equipamento geralmente encontrado em teatros mais antigos ou em manobras manuais improvisadas.<br />GORNE DE CABEÇA: Um gorne em tamanho maior e mais largo que o comum, de modo que possa receber todas as cordas que vêm dos outros gornes. Geralmente é instalado numa das extremidades do urdimento, de onde as cordas são puxadas.<br />GRAMPO: Em teatro é utilizado para fixação de tecidos, papéis e emborrachados em painéis, sarrafos e tapadeiras. Utiliza-se para isso um grampeador especial.<br />GRAMPO ROSEIRA: Tipo de prego em forma de ‘u’ utilizado para fixação de cantos das tapadeiras e outros encaixes coplanares.<br />GRELHA: Uma espécie de segundo urdimento, situado um pouco abaixo do urdimento normal do palco. Quase não existe no Brasil. Muito comum nos grandes palcos europeus equipados para grandes óperas. O termo é utilizado também para denominar urdimentos simplificados, sem acesso superior.<br />GROSSURA: Em cenografia, a dimensão da espessura, em grande parte das vezes, das paredes. Grossura é quase sempre ilusória. Grossura da parede, da porta, do vão, do arco etc. Quase sempre em madeira ou tecido armado.<br />GUINCHO: Máquina constituída por um ou mais tambores presos a um eixo horizontal. Pode ser movimentado manualmente ou através de energia elétrica, servindo para movimentar varas e outros equipamentos.<br />ILHÓS: Orifícios geralmente guarnecidos de aro metálico por onde se enfia uma fita ou cordão. Utilizado na confecção de figurinos e, em cenotécnica, para passagem dos cadarços de amarração de telões, cortinas e outras peças de vestimenta cênica.<br />ILUMINADOR: Aquele que “faz a luz” para um espetáculo de teatro. Diferente do eletricista. O iluminador cria efeitos de luz, próprios e necessários à atmosfera do espetáculo, determina as cores, intensidades, afinação e sequência de acendimento dos refletores, além de geralmente programar a mesa de controle. Muitas vezes, o iluminador trabalha próximo do cenógrafo.<br />ILUMINAÇÃO CÊNICA: Conjunto de equipamentos e técnicas que compõem o sistema de iluminação de uma sala de espetáculos, composta por varas, tomadas, refletores, equipamentos de comando etc.<br />LAMBREQUIM: Uma espécie de bandô, que dá acabamento na cortina da boca-de-cena. Geralmente franzida e colocada na parte superior a frente do pano de boca. Pode ser trabalhada ou lisa.<br />LINÓLEO: tapete de borracha especial colocado como forração do piso do palco, com função de proteção e/ou acabamento; também utilizado para amortecer o impacto dos movimentos, sendo muito utilizado em espetáculos de dança.<br />LONGARINA: Uma espécie de americana ou poléia, mais comprida e mais estreita (na largura). São sempre colocadas no sentido longitudinal da estrutura. Um pontalete ou viga podem fazer o papel de uma longarina.<br />LUZ DE SERVIÇO: Luz que é usada quando se está montando um cenário ou trabalhando no palco fora do horário de espetáculo.<br />MACACO DE ROSCA: Elemento para sustentar plataformas e o piso do palco, sendo utilizado para regulagem de altura das quarteladas e para permitir a abertura do fosso.<br />MACHO E FÊMEA: Tipo de união de peças de madeira. Geralmente, os pisos de palco são construídos utilizando-se esse sistema.<br />MALAGUETA: Cada uma das pequenas varas de madeira ou de ferro chanfrado nas extremidades, dispostas em série contínua nas traves da varanda, nas quais se amarram as cordas que sustentam os cenários do urdimento.<br />MANOBRA: Conjunto de cordas ou cabos de aço que pendem do urdimento, onde se fixam as varas de cenário. O número de cordas ou cabos de aço em cada manobra varia de acordo com o tamanho e peso do cenário a ser suspenso, podendo chegar até sete cordas. Seu controle é manual ou elétrico.<br />MÃO FRANCESA: Estrutura triangular, de madeira ou metal usado como recurso para sustentação de elementos cenográficos ou cenotécnicos.<br />MAQUETE: Também maqueta. Em teatro, é o cenário numa escala reduzida, tal qual vai aparecer no palco quando da encenação. Muito útil para a visualização do projeto e para as marcações que serão feitas pelo diretor.<br />MAQUIADOR: Aquele que faz o trabalho de caracterização dos personagens de um espetáculo teatral, segundo um texto e a concepção dada pelo diretor. Essa caracterização, facial na maioria das vezes, deve acompanhar a linha da indumentária e da cenografia. O maquiador deve manter contato com o diretor, o cenógrafo, figurinista e com os atores.<br />MAQUINISTA: Profissional encarregado da manipulação dos maquinismos de um teatro. Profissional que monta cenários.<br />MAQUINISTA DE VARANDA: Profissional encarregado do controle das manobras e demais equipamentos do urdimento. Seu trabalho é geralmente executado da varanda.<br />MAQUINÁRIA: Toda a estrutura dos maquinismos cênicos de palco de teatro. Varas manuais, contrapesadas ou elétricas, elevadores, alçapões, quarteladas, manobras, pontes etc.<br />MÁSCARA: Reprodução, estilizada ou não, do rosto humano ou animal, esculpido ou montada em argila, cortiça, isopor, massas diversas etc., guarnecida de texturas, cores e outros elementos, com que os atores cobrem o rosto ou parte dele na caracterização de seu personagem. As vezes é usada como elemento de cena. É também a expressão fisionômica do ator, a qual reflete o estado emocional do personagem que ele interpreta.<br />MOLINETE: Elemento de uso manual com caixa, base, gorne, eixo e manivela. Utilizado para o movimento de varas de luz, cortinas, palcos, elementos giratórios etc.<br />MONTA-CARGAS: Um tipo de elevador, grande e aberto, usado sempre em grandes teatros para transporte de cenários, geralmente do subsolo/fosso até o palco. Tipo de elevador usado na construção civil.<br />NÔ: Entrelaçamento feito no meio ou na extremidade de uma ou mais cordas. Há diversas maneiras de se fazer um nó. Há também diversos ‘macetes’ conhecidos pelos cenotécnicos que facilitam o desatamento de nós muitos rígidos.<br />NAVEGANTE: Prego fixado em ângulo diagonal na peça, nos casos em que não se tem acesso com o martelo para pregar-se perpendicularmente.<br />ORELHA: Peça fixada em dois trainéis de forma alternada, para uso da corda de atacar em mudanças rápidas. As orelhas são utilizadas para amarração de um painel ao outro.<br />PALCO: Em teatro é o espaço destinado às representações; em geral são tablados ou estrados de madeira que podem ser fixos, giratórios ou transportáveis. Os palcos assumem as mais variadas formas e localizações em função da platéia, que pode situar-se à frente dele ou circundá-lo por dois ou mais lados.<br />PALCO ALTO: Palco com altura acima do normal (a média é 90cm) em que o espectador, sentado, tem o ângulo de visão prejudicado. Normalmente as primeiras fileiras são as mais afetadas.<br />PALCO BAIXO: Palco com altura abaixo do normal em que o espectador, sentado, tem o ângulo de visão em declive.<br />PALCO ELISABETANO: Também chamado de Palco Isabelino, é aquele que tem o proscênio prolongado, com um segundo plano (muitas vezes coberto) onde existem algumas aberturas, tais como janelas. Apareceu na Inglaterra no período de Shakespeare, por isso também é chamado de Palco à Inglesa.<br />PALCO GIRATÓRIO: Palco cujo madeiramento não é fixo, mas sim movido por mecanismos que permitem inúmeros e rápidos movimentos de cenários e vários outros movimentos cênicos. Palco raro no Brasil.<br />PALCO ITALIANO: Palco retangular, em forma de caixa aberta na parte anterior, situado frontalmente em relação à platéia, provido de moldura (boca-de-cena) e, geralmente, de bastidores laterais, bambolinas e cortina ou pano-de-boca, além de um espaço à frente da boca de cena, chamado de proscênio. É o mais conhecido e utilizado dos palcos existentes no Brasil.<br />PANO-DE-FUNDO: Sinônimo de rotunda. Às vezes pode ser um outro pano, à frente da rotunda do palco.<br />PANO-DE-BOCA: O mesmo que cortina de boca, geralmente movimentado no sentido vertical. Está situado logo atrás da boca-de-cena.<br />PASSARELA: Em teatro, são geralmente construídas em estrutura metálica e posicionadas próximas do forro da platéia, para acesso de equipamentos e varas de iluminação (manutenção e afinação de refletores). Em teatros de tipo multiuso e black-box possuem funções cenotécnicas e freqüentemente são aparentes.<br />PERNA: Denominação comum dada ao bastidor que não é estruturado. Trata-se de um pano solto, desde acima da boca de cena até o chão, para demarcar lateralmente o espaço cênico. Evita vazamentos de cena. Serve, às vezes, para regular a abertura de boca do palco.<br />PERSPECTIVA: Representação gráfica de objetos sobre uma superfície, geralmente plana, de forma a obter deles uma visão global mais ou menos próxima da visão real. Em teatro, representação muito usada pelos cenógrafos no projeto de cenografia de um espetáculo. No palco, era muito usada como cenografia, na pintura de telões ou fundos em épocas anteriores. Pintura normalmente feita pelo pintor de arte.<br />PESO: Objeto sólido, de ferro ou concreto, usado para fixação de cenários em alguns casos especiais. O peso também é usado para fazer a contrapesagem dos cenários.<br />PINTURA: Revestimento das superfícies dos cenários ou elementos de cena nas mais variadas formas, cores e texturas, também chamada pintura de liso.<br />PINTURA DE ARTE: É o tratamento da superfície: os efeitos dados para criar a atmosfera do cenário. Também é feitura de quadros, filetes, paisagens etc. O pintor de telão é considerado um pintor de arte.<br />PIZZA: Denominação, característica de teatro e televisão, dada a um praticável de forma circular, diferenciado do queijo por ter grande diâmetro e pequena altura.<br />PLANTA BAIXA: Em teatro, desenho que representa todas as particularidades de um projeto cenográfico, representadas numa superfície horizontal, localizando o cenário segundo o palco em que será implantado.<br />PLATÉIA: Até o início desse século era, na grande maioria dos edifícios teatrais, o pavimento entre a orquestra ou o palco e os camarotes. Nos teatros de hoje, é a parte destinada a receber o público, que se acomoda em poltronas, cadeiras, bancos ou arquibancadas.<br />POLEA: Parte transversal da estrutura de um praticável que junto com as americanas formam a base daquele. Tipo de treliça, geralmente em madeira, para apoio de pisos.<br />POLIA: Tipo de roldana utilizada para guiar os cabos de suspensão de uma vara (de luz ou cenografia) e outros equipamentos cenotécnicos. Existem vários tipos de polias, tais como polia de base, polia de cabeça, polia de urdimento etc.<br />PONTE: Passarela localizada no interior do palco, dividindo a caixa cênica no sentido paralelo à boca de cena.<br />PORÃO: Parte da caixa cênica situada abaixo do palco, para movimentação de maquinaria cênica ou como recurso cenográfico.<br />PRATICÁVEL: Estrutura, usualmente em madeira, com tampo firme, usada nas composições dos níveis dos cenários. É construído em diversas dimensões e formatos e é normalmente modulado para facilitar as composições.<br />PROSCÊNIO: A frente do palco. Um avanço, normalmente em curva, que se projeta para a platéia. Algumas vezes é móvel, definindo o fosso de orquestra quando abaixado.<br />QUARTELADA: Divisão do piso do palco em pranchas que podem ser removidas manual ou mecanicamente. Internacionalmente são moduladas em 2,00m X 1,00m, e sua colocação no palco é com a face maior paralela à boca-de-cena.<br />QUEIJO: Denominação usada em teatro e televisão, dada a um praticável de forma circular.<br />RAMPA: Praticável em desnível.<br />RECORTES: São feitos em chapas de compensado, papelão, duratex e outros materiais, estruturados ou não. Podem ser apoiados no piso do palco, presos em esquadros ou pendurados por tirantes.<br />REFLETORES: Equipamentos para iluminação cênica, montados em varas, tripés ou posicionados no chão. Existem diversos tipos de refletores. Cada um serve a um propósito específico e apresenta características diferenciadas de facho, intensidade, definição de borda e alcance. Exemplos: PC, Fresnel, Elipsoidal, Par etc.<br />REGULADOR HORIZONTAL: Uma espécie de bambolina rígida que regula a boca de cena no sentido de sua altura. Localizada junto à boca de cena, geralmente suspensa por cabos de aço. O movimento de subir e descer define a altura da boca de cena.<br />REGULADORES VERTICAIS: São dois bastidores móveis, geralmente correndo em trilhos, logo atrás da boca de cena. A movimentação lateral dos bastidores define a largura da boca de cena.<br />RIBALTA: parte anterior do proscênio, limite do palco e platéia. Luzes da ribalta são aquelas dispostas nessa área ocultas do público por um anteparo horizontal.<br />RODA MALUCA: Rodízio de metal e fibra ou borracha que gira em torno do seu eixo. Utilizada em praticáveis e elementos cênicos, permitindo mudança de direção para quaisquer lados.<br />RODÍZIO: Elemento composto de roda e placa de aço, utilizado na construção de carros cênicos.<br />ROLDANA: Polia de metal para cabos de aço. Recurso básico para as manobras.<br />ROMPIMENTO: Conjunto de pernas e bambolinas que mascara a cena, evitando vazamento das coxias e definindo a caixa preta em um palco italiano.<br />ROTUNDA: Pano de fundo, normalmente feito em flanela, feltro ou veludo, usualmente em linha reta, ao fundo do palco, delimitando o espaço cênico em sua profundidade.<br />RUA: Espaços transversais do piso do palco, contínuos a partir da linha da cortina. Espaço entre pernas, formando corredores. Também o talho, que é a distância entre duas longarinas da grelha.<br />SACO DE AREIA: Bolsa de tecido usada como contra-peso. Também pode ser carregada com outros materiais.<br />SAIA: Arremate, sempre em tecido, de algumas cortinas, carros ou praticáveis, de acordo com a estética adotada. Às vezes utiliza-se tecido grampeado, formando uma saia na altura do palco.<br />SANDUÍCHE: Dois pedaços de madeira unindo um tecido ou outro tipo de material similar entre eles.<br />SAPATA: Base ou suporte para instalação de elementos verticais.<br />SAPATILHA: Protetor para cabos de aço ou cordas. Também um tipo especial de calçado utilizado por bailarinos ou atores.<br />SARRAFO: Pedaço comprido de madeira de seção retangular. Material que deve sempre estar disponível, pois é muito utilizado pelos cenotécnicos na construção de outros elementos cênicos, como mão-francesas, praticáveis, escoras, na emenda de dois ou mais pedaços de madeira e em várias outras ocasiões que podem, por ventura, precisar de uma solução imediata. Elemento básico na construção de cenários.<br />SERRALHERIA: Oficina para trabalhos em ferro. O trabalho do serralheiro é muito solicitado na execução de grandes projetos cenográficos.<br />SOFITA: Nome dado ao urdimento ou, mais geralmente, ao piso deste, onde são fixadas as roldanas e outros equipamentos cenotécnicos.<br />TABLADO: Espécie de palco improvisado a partir de uma estrutura de apoio, com tábuas criando o piso. Muitas vezes são utilizadas também chapas de madeira compensada.<br />TAPADEIRA: Uma espécie de bastidor, normalmente fechado em madeira. Painel rígido, usado para composições de cenografia. Mais usual em televisão do que em teatro.<br />TAPETE: Elemento da cenografia colocado sobre o piso. Usado também para absorver ruídos.<br />TALHO: Intervalo entre as tábuas ou perfis de piso do urdimento, para posicionamento de polias.<br />TAMPO: Folha de madeira colocada sobre as poleas e americanas.<br />TELÃO: Pano com pintura (armado ou não) que, nos teatros, pende adiante do pano-de-boca. "Tínhamos uma cenografia toda feita em telões realistas, que davam o clima propício à cena". É manobrado em suspenso, verticalmente à grelha.<br />TOURNETE: Praticável circular, usado também como palco giratório.<br />TRAINEL: Uma espécie de tapadeira ou bastidor, sempre armado com tecido ou lona esticada e pintado. Há trainel liso, trainel fixo, trainel com rodinhas, trainéis de proteção etc.<br />TRAQUITANA: Refere-se aos truques feitos e idealizados por cenógrafos e aderecistas.<br />TRANSPARÊNCIA: Tela transparente que cobre, total ou parcialmente, o palco segundo um plano vertical.<br />TRAVESSÃO: Sarrafo ou pedaço de madeira que une painéis entre si.<br />TRAVAMENTO: Também amarração ou travação. É a estruturação do cenário. O travamento não permite que o cenário se movimente, por exemplo, quando um ator se apoia em uma de suas paredes. Essa amarração é normalmente feita com restos de sarrafo. Existem muitos ‘macetes’ de travação, conhecidos dos cenotécnicos.<br />TRAVE: Pedaço de madeira (esporadicamente outro material) utilizado na sustentação ou reforço de uma estrutura. Muito usada na estruturação de cenografia.<br />TRILHO: Tipo de perfil onde correm rodízios ou carrinhos, cuja função é permitir o deslocamento das vestimentas cênicas.<br />TROCA DE TALHO: Ocorre quando há mudança das caixas de gorne ou de roldana, de um talho a outro, a fim de alterar o espaçamento.<br />URDIMENTO: Armação de madeira ou ferro, construída ao longo do teto do palco, para permitir o funcionamento de máquinas e dispositivos cênicos. Na realidade, é o esqueleto do palco; a ‘alma’ da caixa de mágicas em que ele às vezes se converte. Tem como limite superior, a grelha com a sofita e como limite inferior, a linha das bambolinas, varas de luzes e a parte superior da cenografia.<br />VARA: Madeira ou cano longitudinal preso no urdimento, onde são fixados elementos cenográficos, equipamentos de luz e vestimentas cênicas. Sua movimentação pode ser manual, utilizando-se contra-pesos e elétrica.<br />VARANDA: Uma espécie de passarela que contorna todo o urdimento, às vezes, também atravessando-o, por onde circulam os cenotécnicos. Nessa varanda é que se amarram as cordas, controlam-se os contra-pesos, os efeitos cênicos etc.<br />VARANDA DE LASTRO: Também chamada de varanda de carregamento, é o lugar onde se carregam as caixas de contrapeso com as cargas adequadas para cada vara.<br />VARANDA DE MANOBRA: Lugar onde se encontram os freios, a barra de malaguetas e a barra de afinação. Varanda na qual trabalham os maquinistas.<br />VENTO: Termo característico da linguagem dos ‘homens de palco’. Deslocamento. "Para poder passar, foi preciso dar um vento para trás".<br />VESTIMENTAS CÊNICAS: Conjunto de elementos da cenografia e da cenotécnica que cria o envoltório do espaço cênico e determina sua concretude na caixa cênica.<br />VERGA: Termo de cenografia correspondente à viga em arquitetura. Usado para dar a ilusão de teto, segundo o ângulo de visão do espectador. Muito usado em cenografia de televisão.VIGA DE CABEÇA: Viga dupla ou reforçada que sustenta os gornes ou roldanas de saída ou de cabeça.</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-28880892457863116502008-05-21T18:27:00.001-07:002008-06-25T11:25:33.740-07:00A Idéia da Peça e o Trabalho do Ator em Stanislavski<div align="justify">A Idéia da Peça e o Trabalho do Ator em Stanislavski<br />Nicolai M. Gorchakov<br /><br /><br />Em 4 de setembro de 1924, Gorchakov, começando seus estudos no Teatro de Arte de Moscou, recém-formado como diretor pelo Estúdio de Vakhtanghov, apresentou para Stanislavski a comédia A Batalha da Vida, direção de conclusão de seu curso. Depois da apresentação, relata Gorchakov, Stanislavski teceu como introdução à análise propriamente dita do espetáculo, os comentários abaixo. Foi para mim uma grande alegria ver na boca do mestre considerações sobre as quais venho insistindo muito nos últimos anos. Tenho por certo que o entendimento e o comprometimento intelectual com o espetáculo é fator determinante para a qualidade da atuação. Roberto Mallet.<br /><br /><br />"A fim de que eu possa falar a vocês com toda franqueza", começou Stanislavski, "têm que responder-me à seguinte questão: quantas vezes gostariam de representar essa peça?"<br /><br />Sua pergunta surpreendeu-nos a todos, e por isso não sabíamos como responder.<br /><br />"Sei que vocês gostam dessa peça", continuou, "pois já representaram-na muitas vezes com êxito. Eu também gosto dela. O diretor analisou-a com acerto. Há muitos momentos comoventes e cheios de sinceridade na atuação individual de vocês. Vocês merecem representá-la. Mas estou interessado em saber quantas vezes gostariam de fazê-lo. Quantos anos? Pretendem que a mantenhamos no repertório do Teatro de Arte de Moscou?<br /><br />Sentimo-nos numa sinuca. Alguns de nós até começaram a rir por puro desconcerto. Nossos sonhos não tinham ido tão longe.<br /><br />"Só esperávamos que ela pudesse ser mantida durante uma temporada", eu disse.<br /><br />"Isso é mau", replicou Stanislavski. "O artista deve trabalhar com a intenção de que sua criação perdure. Vamos, digam-me, gostariam de representar essa peça duzentas vezes?"<br /><br />"Claro que sim, Constantin Serguêievich."<br /><br />"E fariam alguns sacrifícios para tanto?"<br /><br />Embora a pergunta tenha sido formulada em um tom cálido e afetuoso, percebemos a sua seriedade e instintivamente permanecemos em silêncio. Até o ator mais jovem e inexperiente sabe quão fatal pode ser sua resposta. Mas sendo eu o mais velho da companhia, e sabendo que a questão dos "sacrifícios" era dirigida a mim, em minha condição de diretor, compreendi que tinha que falar.<br /><br />"Peço-lhe que não se incomode conosco por não respondermos à sua pergunta imediatamente, Constantin Serguêievich", eu disse. "Você provavelmente nos compreende melhor do que nós mesmos. Diga-nos por favor o que precisamos fazer para melhorar nossa atuação e conservar a peça no repertório o maior tempo possível."<br /><br />"Estão todos de acordo com Gorchakov?", perguntou Stanislavski. Logo continuou: "Não conheço vocês muito bem. Encontramo-nos pela primeira vez ao redor da mesa de trabalho e não quero pôr a perder o começo de sua carreira de artistas. Prometo-lhes que a peça será representada e que vocês estarão nela, mas não imediatamente."<br /><br />Respondemos unanimemente que faríamos tudo o que ele achasse que devíamos fazer.<br /><br />"Tratem de não ter que lamentar essa decisão dentro de uma hora", respondeu com certa ironia.<br /><br />Logo continuou: "Perderei muito pouco tempo em analisar os méritos de sua atuação. Por favor, não me levem a mal. O tempo é breve de agora até o momento em que a peça deve ser apresentada de novo. Todos vocês compreenderam bem o autor, e o diretor conduziu com acerto o trabalho de criação dos personagens de Dickens. Vocês permaneceram fiéis ao tema da obra e, por isso, a trama e a idéia ficaram claros para a platéia. Trabalhando em consonância com o diretor, encontraram o ritmo adequado e resolveram seus problemas de atuação com sinceridade e entusiasmo. A atuação de vocês estava inspirada por uma devoção juvenil. Isso chega ao público, encanta-o e faz com que passe por alto os defeitos. Vocês têm defeitos? Creio que sim, mas não estão conscientes deles. Não os sentem... pelo menos ainda não. Minha tarefa consiste em apontá-los, convencer-lhes de que têm que combatê-los, livrar-se de alguns e transformar outros em benefícios. O principal defeito é sua juventude. Estranham que lhe diga isso? Não conseguem seguir o fio de meu pensamento? Vou me explicar.<br /><br />"A juventude é uma maravilhosa se vocês puderem conservá-la sempre, mas isto é difícil de se fazer. É claro que me refiro à juventude interior. Não há uma só mulher de idade madura entre vocês. Nessa montagem, mesmo os papéis de anciãos são representados por atores jovens. Se essa mulher de idade madura de que eu falava estivesse sentada entre nós, nós a ouviríamos suspirar profundamente e com simpatia em resposta às minhas palavras.<br /><br />"Bem, agora analisemos o que significa ser jovem em cena. Isto não tem nada a ver com maquiagens nem com a maneira de se vestir. Conhecemos muitos exemplos em que os figurinos mais coloridos e a maquiagem mais juvenil só contribuíram para pôr em maior evidência a idade do ator. Ao mesmo tempo, sabemos que um ator ou atriz maduros podem desempenhar um papel juvenil sem a ajuda de maquiagem ou de figurinos chamativos, desde que ele ou ela conheçam o segredo da juventude teatral. Vocês devem estar surpresos agora, perguntando-se qual o sentido de falar-lhes isto sendo vocês jovens, e justamente quando acabo de elogiá-los pelo frescor de sua representação. Digo isto agora porque vocês não têm a menor idéia de quão rápido vocês e sua atuação podem envelhecer sem que sequer se dêem conta disso.<br /><br />"A primeira coisa essencial para conservar jovem uma representação", continuou, "é manter viva a idéia da peça. Ela é a razão pela qual o dramaturgo a concebeu, e é a razão pela qual vocês decidiram representá-la. Não se pode nem se deve atuar em cena, não se pode nem se deve produzir uma peça pelo prazer de representá-la ou simplesmente de produzi-la. Vocês têm que sentir-se comovidos em sua profissão. Têm que amá-la com devoção e apaixonadamente, não por si mesma, não por seus lauréis, não pelo prazer e o deleite que lhes dá como artistas. Têm que amar a profissão que escolheram porque ela lhes dá a oportunidade de comunicar idéias que são importantes e necessárias para o público. Porque lhes oferece a oportunidade de, através das idéias que vocês dramatizam e através dos caracteres que personificam, educar o público e convertê-lo em membros da sociedade mais sensíveis, mais sábios, mais úteis e melhores. Eis aqui um problema imenso para o teatro, especialmente em nossos tempos, quando muitíssimas pessoas vêm pela primeira vez ao teatro. Se esse público novo vê e ouve as respostas para seus problemas, aprenderá a amar o teatro e o aceitará como uma coisa própria. Portanto, o primeiro passo para conservar a juventude teatral é responder claramente para si mesmo à pergunta: Por que represento esta peça?<br /><br />"Hoje vocês sabiam o propósito que os levava à representação. Queriam impressionar-me como atores. Cumpriram seu propósito. Quando vocês fizeram sua representação na Escola Vakhtanghov, também conheciam o propósito: queriam ser reconhecidos como atores maiores de idade, já graduados. Cumpriram este propósito também. Mas o que foi suficiente ontem, o que foi suficiente hoje, não o será amanhã, quando apresentarem a peça para o público em geral. É importante para os espectadores que os pensamentos e a vida deles estimulem vocês e que os pensamentos que enchem a vida da cena estimulem-nos. Ao público importa a idéia do autor e a apresentação e a interpretação que vocês façam dela como artistas de teatro. A idéia tem sempre que ser vital e importante para o público de hoje, e é necessário que vocês sejam capazes de reproduzi-la com um tom verdadeiro. Devem manter viva a idéia e ser inspirados por ela em cada representação. Este é o único caminho para conservar a juventude na representação e ao mesmo tempo a juventude de vocês como atores. E verdadeiro trabalho de criação da idéia da peça (insisto na palavra verdadeiro) exige do artista amplo e variado conhecimento, constante auto-disciplina, a subordinação de seus gostos e hábitos pessoais às exigências da idéia, e algumas vezes também certos sacrifícios."<br /><br /><br /><br />In "Las lecciones de `régisseur´ de Stanislavski", Nicolai M. Gorchakov, tradução em espanhol (sem o nome do tradutor), Ediciones Pueblos Unidos S.A., Montevideo, 1956, págs. 45-48. Tradução de Roberto Mallet.<br /><br />Fonte: Grupo Tempo</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-70931460176942494482008-05-21T18:26:00.001-07:002008-05-21T18:26:46.955-07:00CONCEITO DE AÇÃO DRAMÁTICA<div align="justify">CONCEITO DE AÇÃO DRAMÁTICA<br />Roberto Mallet<br /><br /><br /> Este texto não é um ensaio, e muito menos um estudo. Trata-se simplesmente de algumas anotações sobre a questão da ação dramática que redigi quando participei da 10ª Mostra Joseense de Teatro, em São José dos Campos, da qual participei como jurado e debatedor (ao lado de Antônio de Valle e Reynaldo Puebla). Seu objetivo é antes apontar direções para futuros estudos do que fazer uma reflexão completa e exaustiva sobre esse tema.<br /><br /> Muitos de nossos atores não compreendem adequadamente o que seja uma ação dramática. De fato, tenho constatado esse equívoco na maior parte dos espetáculos a que tenho assistido nos últimos anos, e até mesmo em escolas de arte dramática. E se na cena propriamente dita muitas vezes não encontramos sequer um vestígio de ação dramática, os debates realizados nos Festivais e Mostras indicam que o seu próprio conceito é freqüentemente confuso e indeterminado. é claro que se não temos nenhuma idéia do que seja ação, não há a menor possibilidade de encontrarmos sua realidade em cena.<br /><br /> Essa falta de clareza conceitual faz com que a palavra "ação" surja no discurso de muitos com uma certa atmosfera "mística", como se sua presença dependesse de outras realidades também mistificadas como "inspiração", "talento", "eleição", etc. é preciso descartar definitivamente a idéia romântica de que o artista é um favorito das musas, um escolhido dos deuses, tendo por tarefa e "missão" ofertar ao mundo os frutos de seu gênio. A obra de arte é resultado de muito esforço, trabalho e dedicação.<br /><br /> Esforço e trabalho, entretanto, por mais necessários e indispensáveis, não bastam. é preciso técnica, quer dizer, é preciso saber o quê e como fazer. No caso do ator: saber o que é ação e como agir em cena.<br /><br /> Diz Aristóteles que a tragédia (e podemos estender isto a todo gênero teatral) não é principalmente imitação de homens, mas de ações e de vida. "O mito (a trama dos acontecimentos e das diversas ações), continua o filósofo, é o princípio e como que a alma da tragédia." (1)<br /><br /> A ação portanto é a matéria básica do teatro e também do trabalho do ator. E podemos definir ação como todo e qualquer movimento (não necessariamente físico) que é fruto de uma vontade, e que visa um determinado objetivo (visualizado pela inteligência). Nem todo movimento realizado pelo homem é uma ação. Para que o seja, é necessário que esse movimento resulte de um querer alcançar um determinado objetivo conhecido pelo sujeito.<br /><br /> A ação humana tem uma raiz imaterial; origina-se naquilo que há de mais alto e nobre no homem, no que tradicionalmente denomina-se de "espírito": vontade e inteligência. A vontade quer alcançar um bem que é conhecido pela inteligência. Notemos que esse bem é percebido pelo sujeito como algo que lhe falta, algo que, se possuído, lhe trará certa felicidade.<br /><br /> Assim, a ação tem um caráter transcendente. Não é realizada por si mesma, mas como um meio que visa alcançar determinado fim. Se não considerarmos essa transcendência, o conceito de ação torna-se incompreensível.<br /><br /> Como disse Hegel, falando especificamente de dramaturgia, a ação dramática "é a vontade humana que persegue seus objetivos, consciente do resultado final". (2) Romeu, apaixonado por Julieta, quer unir-se a ela, fazer dela sua esposa; Macbeth quer ser o rei da Escócia; Hamlet quer vingar o assassinato de seu pai, restabelecer a justiça no reino da Dinamarca. Tudo o que essas personagens fazem em sua trajetória dramática relaciona-se com seus respectivos objetivos (e, secundariamente, com seu caráter). Romeu, por exemplo, invade o jardim do palácio dos Capuleto, declara-se a Julieta, tem uma entrevista com Frei Lourenço pedindo sua intercessão, pede a Julieta (através de sua ama) que vá "confessar-se" com Frei Lourenço, etc.; Hamlet finge estar louco, utiliza-se da trupe de atores para confirmar o assassinato de seu pai, agride Ofélia (para livrar-se do impedimento que seu próprio amor representa), mata o espião que se esconde atrás da cortina do quarto de sua mãe...<br /><br /> Creio que o exposto acima basta para que se tenha uma idéia clara sobre o conceito de ação em dramaturgia. (3) Não é suficiente, entretanto, para que compreendamos o papel da ação como matéria para o trabalho do ator. é provável que muitos dos espetáculos daquela Mostra nos quais nós, debatedores, apontamos uma ausência de ação, sejam obra de atores e diretores que já têm, com maior ou menor clareza, esse conceito de ação. Acontece que tal compreensão intelectual, por mais indispensável que seja, não é suficiente para abordarmos a construção de uma cena. é preciso que saibamos também como essa mesma dialética entre vontade e finalidade encarna-se no trabalho do ator.<br /><br /> Ao falarmos da ação do ator em cena, o discurso torna-se necessariamente mais denso e mesmo mais obscuro, pois trata-se agora de uma realidade concreta, que não pode ser esgotada pela análise pura e simples, e exige do leitor a experiência dessa mesma realidade, tanto no teatro como na vida. Em virtude do caráter episódico deste texto, posso apenas indicar alguns pontos que deverão ser pesquisados, desenvolvidos e completados pelo leitor.<br /><br /> Em primeiro lugar, tudo o que o ator faz em cena deve ser ação, ou seja, em tudo que ele faz estão envolvidas as faculdades vontade e inteligência. O homem, porém, não possui apenas essas faculdades; ele também tem memória, imaginação, sentidos. Cada uma dessas operações corresponde a uma ordem de ser: o homem é espírito (vontade e inteligência), alma (memória/imaginação) e corpo (sentidos). Essas ordens entretanto não são compartimentos estanques, isolados, mas integram-se todas em uma totalidade. Quando eu digo, portanto, que tudo o que o ator faz em cena deve ser ação, quero dizer que em tudo o que ele faz deve haver uma integração dessas várias faculdades, com a particularidade de que o foco para onde elas convergem é o corpo do ator.<br /><br /> Isto é naturalmente assim. O que acontece na alma de um homem tem ressonâncias em seu corpo, de maneira que, quando vejo alguém faço intuitivamente uma leitura das tensões e moções que inscrevem-se em seu corpo e, assim, tenho uma idéia mais ou menos clara do que se passa em sua alma. Todos nós temos essa experiência, especialmente quanto às pessoas que nos são mais próximas.<br /><br /> Agora, no caso do ator, essas tensões e moções físicas devem ser visíveis, e portanto é preciso que sejam como que aumentadas, amplificadas, resultando em um nível de energia e de esforço bem maior do que os utilizados no nosso dia a dia.<br /><br /> Todo pensamento, todo movimento feito em cena que não seja uma ação dramática interfere na escritura cênica e é lido pelo público, mesmo que este não tenha consciência clara dessa leitura. Todo pensamento e todo ato inscrevem-se no corpo do ator; se, ao lado da seqüência de ações dramáticas desenvolvida pelo ator, houver uma variedade de pensamentos e movimentos que nada têm a ver com a cena, o resultado disto assemelha-se a um desenho cheio de borrões e de linhas absurdas e inúteis, a ponto de o espectador ficar completamente confuso, sem saber o quê deve ser lido e muitas vezes sem ter nenhuma indicação de para onde deve dirigir sua atenção.<br /><br /> Esta é uma descrição paroxistica, porque de fato o que geralmente acontece é um desenho bastante incompleto, uma linha aqui, uma mancha acolá, sem unidade e integridade. Acontece uma ação agora, outra mais tarde, e entre elas alguns momentos de simples atividade, de movimentos gratuitos, de tentativas de "expressar sentimentos", ou mesmo de pura ausência.<br /><br /> Um outro ponto a assinalar é a crença extremamente difundida entre os nossos atores de que a interpretação teatral é construída sobre os sentimentos, como se fosse possível manipular diretamente as nossas emoções. Isto é um engano e leva a uma interpretação mentirosa e cheia de clichês. Os sentimentos e emoções são sempre resultado da ação do ator sobre seu próprio corpo, da manipulação da energia, da distribuição das tensões musculares, do movimento interno (muscular, nervoso) que resulta do foco da vontade sobre um determinado objetivo ficcional.<br /><br /> Essa idéia de que a matéria do ator são os seus sentimentos deve-se a uma leitura equivocada da obra de Stanislavski. Os capítulos 2 e 3 de A Preparação do Ator são uma obra-prima na descrição dos principais erros que os atores cometem em cena e na definição da ação física como matéria fundamental para o ator. Limito-me aqui a citar a passagem em que o mestre russo fala mais especificamente sobre a questão que vimos tratando (o sentimento).<br /><br /> "Em cena, diz o diretor Tórtsov depois de um mau sucedido teste de seus alunos, não corram por correr, nem sofram por sofrer. Não atuem de um modo geral, pela ação simplesmente, atuem sempre com um objetivo." E logo depois da explanação, numa cabriola pedagógica, ordena aos atores: "E agora subam ao palco e façam!"<br /><br /> Os alunos vão para o palco e imediatamente incorrem nos dois erros básicos cometidos pelos atores: buscam ou "ser a personagem" ou "sentir as emoções da personagem". Terminado o exercício, Tórtsov chama três atores: "Sentem-se aqui mesmo nestas cadeiras, onde posso vê-los melhor, e comecem: você vai sentir ciúmes, você vai sofrer e você entristecer-se, apenas expondo esses estados de alma, simplesmente por eles mesmos." E Kóstia, o aluno-narrador, conta: "Sentamo-nos e logo percebemos como era absurda a nossa situação. Enquanto eu andava de um lado para o outro, retorcendo-me como um selvagem, era possível acreditar que havia algum sentido naquilo que eu fazia, mas quando me sentaram numa cadeira, sem nenhum movimento exterior, patenteou-se o absurdo da minha interpretação."<br /><br /><br /><br /> "Bem, o que é que vocês acham? perguntou o Diretor. - é possível alguém sentar-se numa cadeira e, sem nenhum motivo, ter ciúmes? Ou ficar todo emocionado? Ou triste? Claro que é impossível. Fixem esta regra de uma vez por todas em suas memórias: em cena não pode haver, em circunstância alguma, qualquer ação cujo objetivo imediato seja o de despertar um sentimento qualquer por ele mesmo. (...) Quando escolherem algum tipo de ação, deixem em paz o sentimento e o conteúdo espiritual. Nunca procurem ficar ciumentos, amar ou sofrer, apenas por ter ciúme, amar ou sofrer." (4)<br /><br /> é bem verdade que algumas expressões usadas por Stanislavski podem dar lugar a equívocos. E isto não só em razão de uma formulação inadequada de seu pensamento, mas também porque o seu "sistema" estava em constante evolução, e afirmações que lemos em A Preparação do Ator surgem reformuladas, ampliadas e algumas até mesmo negadas em obras posteriores.<br /><br /> Em resumo, podemos aplicar uma regra fundamental da escritura dramatúrgica ao trabalho do ator: "a personagem não deve dizer quem e como ela é; isto é revelado através do que ela faz e das situações que ela vive em cena." Se há uma ação concreta e adequada em cena, o público saberá decodificar e compreender o que se passa nas almas das personagens.<br /><br /> Muitas vezes, ao invés de agir, queremos "significar", fingimos que estamos sentindo ou fazendo alguma coisa, e para tanto usamos movimentos aleatórios, esgares, respirações, quando não chegamos aos clichês e às micagens mais óbvias; em outras palavras, em vez de fazer, mostramos que estamos fazendo. Nos dois capítulos acima citados vocês poderão encontrar vários exemplos desse erro.<br /><br /> Para finalizar, vejamos um exemplo de uma seqüência de ações em "Romeu e Julieta". Tomemos o início da cena II do segundo ato (a famosa cena do Balcão). Na mesma noite em que conheceu Julieta, Romeu dirige-se ao palácio dos Capuleto e penetra em seu jardim. Quer rever Julieta e, se possível, falar-lhe. Fiquemos apenas com esse momento, a entrada de Romeu e seu deslocamento até as proximidades do palácio, e imaginemos algumas formas de abordar essa cena.<br /><br />1. Raciocinemos em termos realistas. Dissemos mais acima que Romeu quer unir-se a Julieta; poderíamos denominar este objetivo da personagem de "objetivo final". Ela entretanto precisará realizar outros objetivos mais específicos, que representam meios que conduzem ao objetivo final. Para abordar a cena que estudamos, portanto, não basta ter em vista apenas o objetivo final. Isto fatalmente falsearia a interpretação. Um ator que entrasse em cena querendo "unir-se a Julieta" simplesmente não saberia o que fazer, e provavelmente deslizaria para um objetivo falso (mostrar-nos os sentimentos da personagem, por exemplo). Ele pode então escolher o objetivo específico "rever Julieta" (alcançado este, o novo objetivo poderá ser "falar com ela", e assim por diante). Agora, ao entrar em cena, Romeu não sabe onde está sua amada; para revê-la, é preciso antes localizá-la. E mais, ele encontra-se em terreno inimigo. Há um objetivo anterior a encontrar Julieta, que é não ser visto. Romeu não pode fazer nenhum ruído. O ator então entraria em cena tendo em mente o objetivo principal de rever Julieta, deslocando-se com todo o cuidado a fim de não ser visto (e também porque é noite, e o terreno lhe é desconhecido). Mesmo que o palco esteja vazio, ele precisa saber se o terreno em que pisa é gramado, areia, pedra, etc., pois as sensações que se tem ao pisar esses vários tipos de terreno são diferentes, bem como a maneira com que o corpo desloca-se aos percorrê-los. Ele também pode definir o que a personagem ouve ao longo do trajeto (seus próprios passos, um pássaro, vozes no interior do palácio - de quem? -, um chafariz), que cheiros percebe... As possibilidades são inumeráveis. Note-se que todos esses detalhes imaginários servem para a construção da cena; não há nenhuma necessidade de que sejam percebidos e decodificados pelo público. O importante é que o ator esteja envolvido com uma seqüência definida de pequenas ações que o conduzirão até o momento em que verá Julieta sair ao balcão.<br /><br />2. A seqüência poderá ser abordada de maneira não-realista; através de metáforas, por exemplo. Romeu está apaixonado; poderíamos dizer que ele "está nas nuvens". O ator poderá entrar imaginando que está andando sobre nuvens, e também aqui suas imagens terão que encarnar-se, ou seja, os pés têm que "sentir" a consistência e a temperatura da nuvem, a pele sentirá, digamos, o calor da luz do sol, ele ouvirá a certa altura o ruído distante de um trovão, etc.<br /><br />3. O ator também poderá definir uma seqüência de tensões e micromovimentos musculares, como uma dança que é realizada no interior do corpo, sem deixar que o público perceba o desenho dessa dança.<br /><br /> Em todo caso, o fundamental é que o ator tenha uma seqüência de ações definida (e detalhada) que possa conduzi-lo; que ele saiba a cada momento o que a personagem quer e o que ela está fazendo para alcançar esse objetivo, de maneira que sua interpretação tenha uma unidade e flua ininterrupta do início ao fim do espetáculo.<br /><br /> Sugiro que estudem a segunda parte de A Criação de um Papel, de Stanislavski, onde o mestre russo estuda uma montagem da peça Otelo. Saliento que essa maneira de abordar a cena pode ser usada em qualquer linguagem, desde o naturalismo mais radical até o distanciamento brechtiano, ou uma cena clownesca (feitas as necessárias adaptações quanto à gramática da cena). Leiam também o texto de Grotowski sobre a ação dramática em Stanislaviski.<br /><br /> Vejam também uma pequena bibliografia básica sobre o trabalho do ator. Em relação à temática da ação que, volto a insistir, é fundamental e arquitetônica para o trabalho do ator, aconselho particularmente a leitura de A Preparação do Ator, A Construção da Personagem e A Criação de um Papel, de C. Stanislavski, A Canoa de Papel, de E. Barba, Método ou loucura, de R. Lewis e Ator e Método, de E. Kusnet.<br /><br />São Paulo, 22 de julho de 1998.<br /><br />Fonte: Grupo Tempo</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-13749882818670951252008-05-21T18:24:00.001-07:002008-05-21T18:24:24.971-07:00EXCERTOS DA OFICINA "O ATOR EM JOGO"<div align="justify">Nota: O texto abaixo é uma transcrição de alguns trechos da Oficina "O Ator em Jogo". Foi revisado apenas no sentido de corrigir determinadas expressões, de maneira que se mantivesse o tom de exposição oral em que foi proferido.<br /><br />Roberto Mallet <br /><br /><br />Transcrição do texto: Sandra Aurora Muñoz<br />Seleção dos textos: Flavio Crepaldi<br /><br /><br /><br /> Esta oficina diferencia-se da maioria das oficinas para atores que são hoje oferecidas. A própria idéia de oficina já subentende um período curto de duração. Esta tem vinte horas, o que já é um bom período para uma oficina. Ela surgiu a partir da constatação de duas coisas. Primeiro, os atores no Brasil (eu falo do Brasil, porque é a realidade que eu conheço), os atores no Brasil não pensam o seu trabalho, não pensam teatro, eles simplesmente fazem. Isso não acontece só com os atores; poucos pensam no Brasil, e uma das razões disso é que a gente não aprendeu a pensar. As pessoas acham que pensar é dado: o homem pensa! Não. Em potência, o homem pensa (falando aristotelicamente). Mas é preciso atualizar isso, ou seja, é preciso aprender a pensar, assim como a gente aprende a caminhar, como a gente aprende a comer; enfim, como a gente aprende qualquer outra coisa.<br /><br /> E eu via muita confusão, e vejo ainda muita confusão, especialmente, e aqui entra um segundo ponto, quanto à questão da ação dramática. Isso parece um absurdo, mas não é; é um absurdo de fato, mas teórico não é. O fato é que a maioria de nós, atores brasileiros, não sabe o que é uma ação. E eu digo isto porque tenho dado oficinas por esse Brasil afora e o comprovei empiricamente. As pessoas não sabem o que é ação, elas até sabem instintivamente, elas vão lá e agem muitas vezes, ou várias vezes, e muitas vezes não agem! Fingem que estão agindo.<br /><br /><br /><br /> (...)<br /><br /> O problema fundamental do ator é: como é que eu realizo uma ação crível? Colocando de outra maneira, a grande questão que a gente se defronta como ator é: porque é que fulano entra lá e executa uma seqüência de ações e eu acredito e beltrano realiza a mesma seqüência e eu não acredito?... A diferença não está na aparência, na exteriorioridade da ação. A gente já viu isso muitas vezes, a gente que trabalha com isso. O cara te diz: entra lá, pega um copo d'água e sai. Um entra, pega, sai e você diz "eu acredito"; o outro entra e você diz: "não acredito". Aparentemente ele fez a mesma coisa e um público desavisado talvez acredite nos dois, se ele não tem muito critério e especialmente se o beltrano for um bom enganador. E no teatro contemporâneo o que não falta são bons enganadores. Ele vai lá e engana e, aliás, o cara (o espectador desavisado) vai achar que este é o melhor. Porque ele sentiu, ele viu que o cara ia beber água porque ele estava com sede... E você, que tem um olho clínico, diz: não, é mentira. Por quê? Essa é a grande questão, porque se a gente resolve isso, em qualquer forma de teatro, desde o naturalismo mais exacerbado até o Kathakali, você resolve o problema do ator. Pelo menos como compreensão do que é aquilo lá. Não digo como realização porque a gente sabe que realizar é outro departamento. Mas para realizar você precisa compreender; nós estamos partindo desse princípio.<br /><br /> (...)<br /><br /> Eu só posso agir se eu estiver inteiro no que estou fazendo, é óbvio... O que vamos tentar entender nesses dias é o que levantamos há pouco: como realizar uma ação crível. Apesar de às vezes a gente ir para coisas muito filosóficas, muito gerais, elas estão todas ligadas a essa questão da ação do ator. Dessa ação que é fictícia mas que não é uma mentira. Eu costumo dizer que a gente confunde agir com significar; para mim essa é a questão fundamental, entendendo isso melhora bastante o nosso trabalho. Não é que significar não seja uma ação, também é uma ação, só que não é uma ação dramática, não é uma ação teatral. é impossível você fazer alguma coisa que não seja ação. é preciso que a gente distinga ação pura e simples de ação dramática.<br /><br /> No teatro realista isso é mais fácil de entender, até porque é o teatro com o qual temos mais intimidade. Nós pensamos em termos realistas; nem isso, pensamos em termos naturalistas, em geral, até porque nossa referência é cinema e televisão. O teatro que vemos é quase sempre muito ruim, temos uma ou outra coisa onde encontramos ação, mas no geral não tem ação dramática.<br /><br /> Um dos erros que encontramos muito nos atores hoje é a idéia de que você tem que ser outro, você tem que ser o Hamlet. O próprio Jouvet fala um pouco nesses termos. E o fato é que é impossível que você deixe de ser você mesmo, a não ser que você enlouqueça; ainda assim você vai continuar sendo você - louco. O que é possível é que eu seja eu mesmo numa condição diferente da minha condição cotidiana, sou eu numa outra condição. é o que Eugênio Barba chama de extra-cotidiano. Nós como atores temos que ter um princípio básico que é: não mentir. As pessoas acham que o ator mente; aliás hipócrita, que em grego quer dizer ator, virou sinônimo de alguém que finge, que está fingindo; mas o ator não mente, não finge. O que o ator faz é algo muito inusitado, ele vive uma ficção; como ele faz isso, é o que a gente vai tentar entender. Ele vive numa condição fictícia na cena. Claro que ele não se torna uma ficção, ele é alguém real e por isso ele pode viver uma condição fictícia. Só alguém real pode fazer isso. O Hamlet da peça não é um ser substancial. Stanislavski já apontava isso. Uma atriz acaba fazendo um esforço enorme para acreditar que é Ofélia, e ela não consegue, porque só se ela enlouquecer vai conseguir isso. "Aquela entidade vai baixar nela", isso é um erro que nunca vai dar teatro.<br /><br /> (...)<br /><br /> Há outro erro muito comum, e mais comum até do que esse de querer "ser a Ofélia"; é querer "sentir" o que a Ofélia sente... Querer "sentir"!... Muitos acham (e ensinam) que o ator trabalha com os sentimentos. Mas isto não é verdade. é impossível trabalhar diretamente com os sentimentos. E muitos acham que Stanislavski dizia isso, que o ator tem que "sentir".<br /><br /> Há uma passagem em "A Preparação do Ator" que demonstra isso com uma clareza meridiana. é logo no início do livro, quando o diretor fazendo um teste com os alunos recém-chegados ao curso. Ele propõe que eles peguem cenas de peças, montem-nas e apresentem-nas para ele. E eles o fazem. A personagem-narrador Kóstia pega uma cena de "Otelo", em que contracenam Otelo e Iago. Na crítica o diretor diz para o Kóstia: "Você ficou o tempo todo se mexendo, querendo sentir alguma coisa... Vamos fazer o seguinte... " E pede para Kóstia e mais dois alunos sentarem-se e lhes diz: "Você vai sentir alegria, você vai sentir ódio e você vai sentir tristeza." Como é que faz? Como é possível gerar um sentimento por si mesmo?<br /><br /> O Kóstia então comenta: "foi então que percebi todo o absurdo, nós percebemos como era absurdo querer sentir alguma coisa diretamente. O que, enquanto a gente estava se movendo em cena não parecia absurdo."<br /><br /> Isso é importante perceber. Quando a gente está aqui todos nós vemos o absurdo: ficar triste! Por quê? Nós sabemos que eu não posso decidir agora: vou ficar triste. Eu posso até fingir, mas não posso decidir ficar triste, eu posso decidir: eu vou fingir que estou triste. Mas quando a gente está se movimentando lá, dizendo o texto, a gente acha que é possível. O que Stanislavski está dizendo é isso: não só que é impossível mas que quando a gente está se movendo, quando a gente está no meio da situação cênica, parece que é possível. As emoções não podem ser manipuladas diretamente, é isso que Stanislavski está dizendo.<br /><br /> Agora vejamos outra situação: você sai de casa triste, aconteceu alguma coisa na sua vida, você brigou com o namorado, está triste e está saindo para o trabalho em cima da hora. Passa o ônibus, e você tem que pegá-lo, senão vai se atrasar e ficar mais triste ainda, e você dá um pique de cinqüenta metros para pegar o ônibus, e consegue pegar o ônibus. Aonde está a tristeza?... Desapareceu! é preciso que seu metabolismo volte ao normal para que volte a tristeza, ou seja: eu não posso manipular diretamente meus sentimentos mas eu posso manipular diretamente meu corpo e posso usar à meu bel-prazer meu intelecto, minha mente, minha razão. Isso eu posso. E através disso eu posso gerar sentimentos (que talvez não sejam exatamente os sentimentos da personagem, não importa). Mas eu posso atingir as minhas emoções via vontade, inteligência, e via corpo. Meyerhold dizia: "Eu vou do corpo para lá, Stanislavski vem de lá para cá, mas o resultado é o mesmo."<br /><br /> (...)<br /><br /> O fundamental para entender a questão da ação é que ela tem um sentido. Quantas vezes um ator entra em cena e você pergunta: o que você está fazendo? O que você vai fazer? Para onde é que você vai?<br /><br /> Ele não sabe. "Não sei... " Como não sabe?<br /><br /> Ele acha que o diretor tem que saber. Quantas vezes um ator entra em cena e diz ao diretor: E agora, o que eu faço? A resposta correta é: - "Não sei, eu não sou ator." Tudo bem, você pode sugerir... Enfim... Mas um ator em princípio não pergunta "o que é que eu faço?", ele faz. Aí o diretor vai dizer: "Não! Não é isso. Eu quero outra coisa, não está bom por isso e por aquilo, vai e repete."<br /><br /> Ontem a gente falava da crueldade da arte. A arte é cruel, porque é objetiva. Crueldade quer dizer objetividade, é objetiva, não tem "ah, mas hoje eu não tô bom..."<br /><br /> Claro que a gente não é tão radical na prática, mas poderia ser sem romper com nenhuma lógica, sem ser incoerente. Um ator age, a palavra quer dizer isso, aquele que age. Não aquele que pergunta, que duvida.<br /><br /> Se o ator não sabe o que é ação como é que ele vai resolver esse problema?<br /><br /><br /><br /> Pior ainda é quando o diretor também não sabe. E o que ele vai dizer quando você entra e pergunta: "O que eu faço?" é te dar um significado, e não uma ação. Ou ele vai dizer, por exemplo: "Nessa hora fulano está alegre."<br /><br /> Para o ator não resolve nada. O que é "estar alegre"? Nós vivemos um momento, especialmente sob esse aspecto, muito caótico. Uma das razões dessa ignorância do papel da ação (não a única) é a hegemonia do encenador. Porque para o encenador não interessa o trabalho do ator. E está certo, pois ele é um encenador, e não diretor de ator. Ele não está interessado no ator, ele está interessado em que você entre lá e faça o que ele precisa... Ele não sabe o que é ação enquanto ator, mas enquanto diretor; enquanto encenador ele sabe muito bem o que ele quer. Ele sabe que sentido quer dar àquela cena. Para ele existe um sentido. O problema é que o sentido do encenador não serve para o ator. Isso é muito importante entender; porque se o cara diz: "Você tem que estar alegre!", o que você tem que fazer é outra coisa, se você quiser ficar alegre você está ferrado. O que a gente faz em geral é tentar ficar alegre. Então, toda indicação, venha da direção, venha do texto, venha de você mesmo, venha de onde vier, você tem que transformar em ação, sempre. é a regra. Isso vale para qualquer forma de teatro. Claro que no realismo, até porque nós temos mais intimidade com ele, dá para a gente entender isso melhor. Mas mesmo no teatro mais abstrato você tem que agir, ser ator.<br /><br /> (...)<br /><br /> Todo grande artista tem que um grande ser observador. As pessoas acham que observar é observar a exterioridade, ver o "tique" . Quando na verdade a observação pega esse "tique" e vai atrás dele, vai ver por quê, ela vai na origem. Você está lá observando alguém... na verdade você não está olhando a exterioridade só, você está vendo o que está acontecendo por trás da aparência sensível.<br /><br /> (...)<br /><br /> Se você não tem esse olhar significa que você não é artista, porque você não está se movimentando numa dimensão simbólica. Você está se movimentando numa dimensão puramente sensível. Tudo é símbolo no universo. Sob esse ponto de vista que a gente está tratando, tudo é símbolo, e o artista é aquele que consegue ver isso. Ele vê uma árvore, mas ele não vê apenas uma árvore. Ele está vendo outras coisas que estão na árvore.<br /><br /> (...)<br /><br /> Walter Benjamin, em um texto denominado "O Narrador", diz que a narrativa sempre traz um conselho - a moral da história. Um conselho, diz ele, nada mais é que uma sugestão de continuidade para uma narrativa que está se fazendo - sua própria vida. é muito bonito isso. A questão é que hoje nós não percebemos a nossa vida como uma narrativa que está se fazendo. Toda vida é uma narrativa, quer a gente queira, quer a gente não queira. Mas as narrativas hoje não têm começo, meio e fim. A nossa vida se torna uma vida de instantes, o que eu faço hoje não tem nada a ver com o meu passado nem com o meu futuro, é um instante. Eu vivo de instantes, e na medida em que isso acontece assim, tudo é possível - é a pós-modernidade, onde tudo vale, porque não há nenhuma coerência na minha vida - então essa narrativa se dispersa, quase não é uma narrativa. Fragmenta-se. Com o advento da tecnologia isso piorou bastante. Nada contra a tecnologia em si, mas ela é um instrumento, é preciso que esse instrumento sirva para outra coisa, como ele está sendo usado não serve. A televisão, como disse o Cacá Carvalho, é a anti-narrativa; primeiro ela não comunica experiência nenhuma, não tem conselho nenhum ali, e segundo ela não tem coerência, porque você senta à sua frente e ela te fragmenta. Mesmo um filme da maior qualidade - você o está acompanhando, e entra um comercial falando de aerossol, barata; sai da barata, entra no cigarro, e assim por diante. Não tem coerência nenhuma naquilo ali. Vejam o efeito que isso tem sobre a mentalidade das pessoas. Um cara que fica exposto a isso quatro horas por dia, em um mês já não pensa, porque o pensamento subentende exatamente uma coerência, um discurso... A nossa civilização é uma civilização de dispersão.<br /><br /> (...)<br /><br /> Há um texto do Jacques Copeau que eu é um excelente ponto de partida para uma reflexão mais profunda sobre o trabalho do ator. Ele começa citando uma frase do Hamlet, que encontra-se na famosa cena dos atores, quando eles chegam e o Hamlet percebe que pode usar aqueles atores como ratoeira para pegar o rei, e pede para esses atores representarem alguma coisa, e eles representam uma cena de um texto romano.<br /><br /> Depois que eles representam e Hamlet fica sozinho ele diz:<br /><br /> Não é monstruoso que esse ator, em uma ficção, em um sonho de paixão, possa forçar sua alma a sofrer com o seu próprio pensamento a ponto de empalidecer-lhe a face; lágrimas em seus olhos, o aspecto conturbado, a voz entrecortada, e todo os seus gestos adaptando-se em formas à concepção de seu espírito? E tudo isso por nada! Por Hécuba? Quem é Hécuba para ele ou ele para Hécuba, para que a chore?<br /><br /> (Hamlet, ato II, cena II)<br /><br /> <br /><br /> Aí comenta Copeau:<br /><br /> "O que é horrível, no ator, não é uma mentira, pois ele não mente. Não é um engodo, pois ele não engana. Não é uma hipocrisia, pois ele aplica sua monstruosa sinceridade em ser aquilo que ele não é, e não em exprimir o que ele não sente, mas em sentir o imaginário.<br /><br /> "O que perturba o filósofo Hamlet, da mesma forma que suas outras aparições dos infernos, é, em um ser humano, o desvio das faculdades naturais para um uso fantástico."<br /><br />(Nota: O texto completo dessa citação encontra-se em Jacques Copeau - Aos atores)<br /><br /> Fonte: Grupo Tempo</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-31772347742339158232008-05-21T18:22:00.000-07:002008-05-21T18:23:32.893-07:00Maurice Maeterlinck e a ressurreição do ator<div align="justify">Algo de Hamlet morreu no dia em que o vimos morrer no palco. O espectro de um ator roubou-lhe o trono e não podemos mais afastar o usurpador de nossos sonhos! Abram as portas, abram o livro, o príncipe anterior não volta mais. Sua sombra por vezes ainda passa pela soleira, mas ele não ousa avançar, não pode mais entrar e quase todas as vozes que o aclamavam dentro de nós estão mortas. [1]<br />Um dia, Maurice Maeterlinck era, nas palavras de Guy Michaud, o único que tinha algo a dizer ao teatro simbolista; mais tarde, estava morto antes mesmo de morrer aos 87 anos, tal o esquecimento em que se perdera com o passar dos anos, como nos conta Otto Maria Carpeaux.<br />A história de ascensão e declínio do dramaturgo belga por vezes parece tão perturbadora e inexplicável quanto a trajetória de vida e morte de alguns de seus personagens mais intrigantes. Uma das razões talvez seja, ao lado da impenetrabilidade inerente à estética simbolista, o fato de ele próprio ter negado, com o passar do tempo, algumas de suas teorias hoje consideradas revolucionárias e decisivas para a formação do teatro de vanguarda. Este texto tem a agradável pretensão de ressuscitar um pouco de Maeterlinck, da mesma forma como uma de suas teorias, a nosso ver, reanimou o ator, ao contrário do que se possa pensar quando se fala em “teatro de andróides”.<br />Nascido em 1862, começou sua carreira literária com a publicação de alguns contos e um volume de poemas decadentes, mas foi em 1889, com a peça La Princesse Maleine, que chamou a atenção do mundo literário, sobretudo a de Octave Mirbeau, crítico do Figaro, que encontrou na obra uma beleza mágica superior a Shakespeare – o que, para muitos e para o próprio autor, não passava de um enorme exagero. Exagero ou não, o essencial é verificarmos que, com o texto de La Princesse Maleine, o drama simbolista começa a se estabelecer.<br />Como teórico, Maeterlinck produziu três ensaios fundamentais para a concepção de seu teatro: Un Théâtre d´Androïdes, de 1890, Le Tragique quotidien, de 1894, e o Préface à edição de seu Théâtre Complet, publicada em 1901.<br />Le Tragique quotidien e o Préface à edição de seu Théâtre Complet são textos que tratam do drama propriamente dito. No primeiro, Maeterlinck examina os dramas clássicos e contesta a necessidade da ação, afirmando que nas obras de Ésquilo, por exemplo, a ação inexiste. Assim, parte em defesa de um “drame estatique”, em que a ação interior dos personagens teria muito mais força e sentido do que a encenação de grandes batalhas e paixões arrebatadoras.<br />Nesse drama estático, a ação interior seria então revelada por uma nova modalidade de diálogo: ao lado do diálogo convencional, feito de palavras, entraria em cena a fala imperceptível, subentendida, escondida nas entranhas dessa convenção. É da distinção entre esses dois diálogos que nasce a importância do silêncio no teatro de Maeterlinck. O silêncio é a voz da alma e, por isso, está mais próximo da Verdade.<br /><br /><br /><br />No Préface, o autor faz uma análise da evolução de seu teatro, mostrando que, num primeiro momento, – de produção simbolista – a morte dominava a cena, sobretudo nas forças invisíveis mas aterradoras que surgiam para aniquilar seus personagens inocentes. Em sua segunda fase de produção, entretanto, admite ter afastado a sombra da morte, permitindo a entrada do amor e da felicidade.<br />Não eram apenas a verborragia clássica e a preocupação com a ação no teatro que Maeterlinck questionava: a presença dos atores era algo que o perturbava ainda mais. Assim sendo, no que diz respeito ao trabalho do ator, Un Théâtre d´Androïdes é sem dúvida controverso, aplaudido por alguns encenadores, mas visto com desconfiança por atores e atrizes.<br />Nesse ensaio, Maeterlinck propõe a supressão do ator, substituindo-o por marionetes, bonecos de cera ou até mesmo por efeitos de sombras. Para o dramaturgo, a alma dos atores interferiria na alma dos personagens, comprometendo o trabalho do poeta. Dessa forma, marionetes, seres sem alma nem personalidade, seriam perfeitos para a cena.<br />A cena é o lugar onde morrem as obras-primas, porque a representação de uma obra-prima apoiada em elementos acidentais e humanos é antinômica.<br />A idéia da superioridade das marionetes em relação ao ator não é, como sabemos uma invenção de Maeterlinck: é uma sombra que parece ter sempre perseguido o ator.<br /><br /><br /><br />No Paradoxo sobre o Comediante, de 1769, Diderot aproxima ator e marionete, afirmando que “um grande comediante é outro títere maravilhoso cujo cordão o poeta segura, e ao qual indica a cada linha a verdadeira forma que deve assumir” (Diderot,1979,p.180). Assim, o que o filósofo francês parece buscar é uma certa marionetização da arte do ator, e não sua substituição por um boneco. Diderot vê no grande ator a ausência de paixão e assim a possibilidade mimética de qualquer sentimento. Para ele, o verdadeiro comediante é desprovido de sensibilidade, pois “é a extrema sensibilidade que faz os atores medíocres: é a sensibilidade medíocre que faz a multidão dos maus atores; e é a falta absoluta de sensibilidade que prepara os atores sublimes” (Diderot,1979,p.165).<br />O dramaturgo alemão Heinrich von Kleist, no célebre artigo Sobre o Teatro de Marionetes, de 1810, relata uma conversa fictícia com um bailarino que vê na dança das marionetes uma perfeição inatingível ao artista humano. Para Kleist, o foco está na ampla possibilidade de movimentos que a marionete pode executar. Por mais que a imite, o dançarino jamais será capaz de atingir sua plenitude de movimento e repetição.<br />Essa mágica do movimento seria resultado da falta de percepção, no boneco, de si próprio e de seu mundo. No outro extremo, estaria a figura de Deus, portador de uma consciência infinita.<br />A questão da consciência do ator também incomodava Edward Gordon Craig. Conhecido por seus cenários espetaculares, por suas idéias visionárias quanto à arte teatral, por sua parceria turbulenta com Stanislavski na montagem de Hamlet e também por sua teoria da Übermarionnette, a Supermarionete, Craig acreditava que o teatro e a arte do ator estavam condenados pela imitação grosseira da realidade preconizada pelo naturalismo e pelos exageros dos atores de formação melodramática. O ator não deveria se limitar à imitação da realidade, mas sim desenvolver um código capaz de sugeri-la. Deveria ser parte integrante do organismo do espetáculo, em constante interação com seus outros elementos, como luz e cenário.<br />Conhecedor dos andróides de Maeterlinck, Craig projetava na figura do boneco a instauração de um momento de transição na arte do ator, um momento de renascimento e salvação.<br />Criação artificial e assim verdadeiramente artística, a marionete é, para Gordon Craig, “a descendente dos antigos ídolos de pedra dos templos, é a imagem degenerada de um Deus” (Bablet, 1962, p.137). A Supermarionete seria, então, o ator do novo teatro, superior ao boneco, pois teria consciência de seus gestos e de seus movimentos. Rejeitando a imitação demasiado humana da vida, esse novo ator passaria a ser criador do personagem e não apenas sua personificação ou representação. Com o artifício da criação, seria, enfim, parte da obra artística.<br />As idéias e teorias de Craig acerca do trabalho do ator são, logo percebemos, representantes de um movimento que, ao promover a renovação da cena, contribuiu para a instauração do reino despótico-esclarecido do encenador. Este passaria a ter à sua disposição um ator marionetizado, cujos cordões poderia livremente manipular. A biomecânica de Meyerhold é um exemplo do novo trabalho que começa a se estabelecer na busca da flexibilização e mecanização do corpo do ator.<br /><br /><br /><br />A imagem de superioridade e perfeição que nos sugere a Übermarionnette de Gordon Craig abre caminho para refletirmos um pouco sobre os manequins gigantes e desproporcionais do teórico e dramaturgo francês Antonin Artaud. Artaud escreveu sobre o uso dos manequins e os utilizou em vários espetáculos. Entretanto, diferente do ideal de plenitude e movimento de Craig, o autor francês parecia estar mais interessado no elemento fantástico e fabuloso e, conseqüentemente, no estabelecimento de uma outra dimensão.<br />Essa outra dimensão é também atingida quando Artaud põe em cena os manequins como duplos dos personagens. Aqui, então, uma nova esfera intervém e um mundo dissonante se ergue diante do espectador, obrigado a usar todos os sentidos para apreender essa nova realidade que eclode.<br />O encenador polonês Tadeuzs Kantor, para quem Gordon Craig é o grande mestre, vai igualmente colocar em cena bonecos prefigurando duplos dos personagens. Diferente de Artaud, entretanto, usará bonecos humanóides e não figuras gigantes. Para Kantor, os bonecos, associados aos atores, são duplos e sínteses da memória, que está morta. Assim, seu teatro é um teatro de travessia, uma longa viagem em que o passado marionetizado acompanha o ator.<br />A idéia de morte tão presente nos bonecos de Kantor se assemelha à ausência de alma que Maeterlinck quer nos personagens da cena. Os bonecos do encenador polonês são, assim, os que mais se aproximam dos andróides do dramaturgo belga, sobretudo pelo efeito que pretendem causar no espectador.<br /><br />Maeterlinck quer em cena o homem desumanizado, o homem sem alma, o andróide por definição: andros, homem; eidos, forma. Em cena, esse ser vazio, mas dotado de uma inquietante semelhança física com o ser humano, não desorienta o curso do poema, que deve reinar absoluto. Para o dramaturgo, o grande defeito do ator é ter uma história, é possuir um passado e um futuro, é, enfim, ter o poema de sua vida interferindo no poema da vida do personagem.<br />Assim que ele [o homem] entra em um poema, o imenso poema de sua presença apaga tudo o que está ao seu redor.<br />Ao defender a supremacia poética, Maeterlinck está em afinada sintonia com a estética artística que representa e, mais ainda, sua voz é um eco das pesquisas poéticas de Stéphane Mallarmé, mentor intelectual do simbolismo, para quem a palavra deveria ser autônoma, independente da realidade externa, criadora e criatura de um mundo próprio.<br />Um poema que eu vejo recitado é sempre uma mentira; na vida comum, devo ver o homem que fala comigo porque a maioria de suas palavras não tem significado algum sem sua presença. Mas um poema, ao contrário, é um conjunto de palavras tão extraordinárias que a presença do poeta está amarrada para sempre; e ele não tem permissão para se livrar de seu cárcere voluntário, uma alma preciosa dentre tantas, para substituí-la pelas manifestações quase sempre insignificantes de uma outra alma porque, nesse momento, essas manifestações não são tão compreensíveis.<br />Para o poeta francês, essa autonomia residiria nas profundezas das palavras e o novo poema resultaria da pura relação entre elas. Como, porém, erigir o reinado da palavra livre? Por meio das sugestões, da linguagem indireta, da sintaxe irregular, do eterno movimento de significantes remetendo a outros significantes, jamais revelando significados verdadeiros ou definitivos.<br />Maeterlinck opera, então, uma transposição das idéias de Mallarmé à cena, vendo no ser de aspecto humano, mas destituído de alma, o instrumento ideal para a sugestão do mundo intangível de sua obra dramática.<br />Os simbolistas, em busca um drama do indizível, muitas vezes rejeitaram a cena, acreditando que o ato de leitura seria infinitamente superior à representação, pois a cena concretizada sempre ficaria aquém do poder de imaginação do leitor.<br />O poema era uma obra de arte e levava consigo essas admiráveis marcas oblíquas. Mas a representação veio contradizê-lo: ela faz com que os cisnes do lago voem; ela atira as pérolas ao abismo. Recoloca as coisas exatamente onde estavam antes da chegada do poeta.<br />Maeterlinck, no entanto, não exatamente repudia a mise-en-scène. Ao manifestar que “Lear, Hamlet, Otelo, Macbeth, Antônio e Cleópatra não podem ser representados e é perigoso vê-los na cena” (Maeterlinck, 1890, p.83), refere-se à encenação tradicional. Essa afirmação é antes um preâmbulo à defesa do andróide e à condenação do ator: tais obras não podem ser representadas por atores humanos.<br />Seria necessário talvez afastar completamente o ser vivo da cena.<br />Para o autor, a presença humana é um obstáculo para o poema desde os remotos tempos do teatro grego. Para ele, suas máscaras desempenhavam não apenas um papel prático, mas também simbólico, pois “serviam justamente para atenuar a presença do homem e enfatizar o símbolo” (Maeterlinck, 1890, p.86).<br />Para Maeterlinck, “a obra de arte é um símbolo e o símbolo jamais suporta a presença ativa do homem” (Maeterlinck, 1890, p.86). Dessa forma, para que a obra de arte se instaure, é necessário retirar da cena o ser humano com suas paixões, sofrimentos e anseios.<br />O ser humano seria substituído por uma sombra, um reflexo, uma projeção de formas simbólicas ou um ser que possuiria a aparência da vida sem ter vida? Não sei; mas a ausência do homem me parece indispensável.<br />A diferença fundamental, para o autor, entre o homem e o boneco é que o homem tem alma, o que se revela uma fatídica desvantagem para o ator. Sendo homem, é também uma marionete do destino e de suas forças estranhas e misteriosas, mas possui consciência da trajetória de vida e morte. Embora o ser humano nem sempre revele uma percepção de sua própria sorte, o ator conhece e reconhece o destino de seu personagem e eis que surge o embate entre ter ou não ter alma.<br />O poema se retira à medida que o homem avança [...] Se o homem entra em cena com todos os seus poderes e livre como se entrasse em uma floresta, se sua voz, seus gestos e sua atitude não são cobertos por um grande véu de convenções sintéticas, se percebemos por um só instante o ser humano que ele é, não há poema que não se retire diante dele.<br /><br />Os personagens do drama simbolista de Maurice Maeterlinck são marionetizados: não têm consciência da vida, estão perdidos, não conhecem nem passado nem futuro. Vivem um (aparente) presente manipulado, em que não há história, não há nem começo nem fim e o agora não passa de um sonho incompreendido. É o triunfo de uma vida atemporal.<br />[...] teríamos em cena seres sem destino, cuja identidade não viria anular a identidade do herói.<br />Reminiscência do ídolo, a marionete se ergue, ameaçando o ator de tempos em tempos.<br />De Diderot, o dramaturgo belga parece ter absorvido a necessidade do esvaziamento das paixões. O homem e seus dramas pessoais são um grande fardo para o poema que se quer representar.<br />O Absoluto de Kleist assemelha-se ao Eterno de Maeterlinck: é a total falta de consciência da matéria, do tempo e do mundo que proporcionaria às marionetes seu poder de supremacia em relação ao ator.<br />Craig, como Maeterlinck, sonhou com um teatro sem os excessos imperdoáveis do naturalismo, contra uma arte simplesmente mimética e desprovida da aura e do artifício da criação artística.<br />O mundo dissonante dos imensos manequins de Artaud é uma ressonância da busca do dramaturgo belga por uma atmosfera de terror que “é a atmosfera própria do poema” (Maeterlinck, 1890, p.87).<br />É com Kantor, finalmente, que o Théâtre d´Androïdes parece finalmente encontrar a luz.<br />No espetáculo A classe morta, Kantor nos mostra velhos que entram em cena carregando bonecos, representações da infância desses mesmos personagens. Exaustos e próximos do fim, carregam o pesado fardo do tempo que passou, o peso temporal das perdas e da memória que se esvai.<br /><br />Nesse momento, diferente de Maeterlinck, Kantor coloca em cena a questão que Maeterlinck problematiza: ao vermos os atores carregando seu passado na forma de bonecos, o conflito da alma humana sobe ao palco. Vistos lado a lado, ator e boneco, ser humano e ser inanimado, compreendemos o grande conflito vislumbrado pelo dramaturgo belga.<br />É possível, enfim, que a alma do poeta, não encontrando mais o lugar que lhe era destinado, agora ocupado por uma alma mais poderosa que a sua – já que todas as almas possuem exatamente as mesmas forças – é possível, então, que a alma do poeta ou do herói não se recuse a descer, por um momento, em um ser, cuja alma ciumenta não lhe impeça a entrada.<br />A figura do ator é paradoxal, assim como o próprio teatro. Maeterlinck, impedido pelas limitações próprias de seu tempo, apenas localiza o problema e o teoriza. Kantor, por sua vez, visualiza o problema e o leva à cena, numa clara atitude de vanguarda, ou seja: a tentativa de explicar, por meio da linguagem humana, a impossibilidade e a insuficiência da linguagem humana.<br />Assim, estando em cena o conflito do ser humano, bonecos e atores juntos nos levarão a uma paradoxal conclusão: a possibilidade de várias soluções ao embate não nos leva a uma solução que dê conta definitivamente do problema. O teatro será sempre uma arte paradoxal, contraditória. O ator sempre terá um elemento perturbador e a constante busca de uma solução para esse paradoxo é que manterá o teatro vivo e vibrante.<br /><br /><br /><br />Maeterlinck, que sempre fechou tantas portas em suas peças, deixou uma porta entreaberta, sugerindo um novo caminho não apenas ao encenador, mas também oferecendo ao ator a possibilidade de se superar como criador e artista.<br />Ao insinuar a morte do ator, possibilitou sua ressurreição. Morto pelo títere, pela marionete, pela Supermarionete e pelos manequins gigantes, o ator teve que renascer e se reinventar e assim a própria arte do teatro se reinventou.<br />No lugar de “Shakespeare belga”, título tão comprometedor que ele próprio o recusou, pensemos em Maeterlinck como o “Ésquilo dos bonecos”, feliz definição de Jules Lemaitre que bem sintetiza seu papel: um autor que veio para propor uma renovação da arte teatral. Como conseqüência de sua incessante inquietação de autor simbolista, uma nova dimensão poética e um novo ator puderam subir à cena e mudar a história do teatro.<br /><br />REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br /><br />AMARAL, Ana Maria. O ator e seus duplos: máscaras, bonecos, objetos. São Paulo: Editora SENAC, 2002.<br /><br />ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.<br /><br />ASLAN, Odette. O ator no século XX. São Paulo: Perspectiva, 1994.<br /><br />BABLET, Denis. Edward Gordon Craig. Paris: L´Arche Editeur. 1962.<br /><br />BALAKIAN, Anna. O Simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 1985.<br /><br />CARPEAUX, Otto Maria. “No enterro de Maeterlinck”. In: Vinte e Cinco Anos de Literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.<br /><br />DIDEROT, Denis. “Paradoxo sobre o Comediante”. In: Diderot: textos escolhidos; traduções e notas de Marilena Souza Chauí, J. Guinsburg. São Paulo: Abril Cultural, 1979.<br /><br />GUINSBURG, Jacó. “O titereiro da Graça: Kleist – Sobre o Teatro de Marionetes”. In: Da cena em cena. São Paulo: Perspectiva, 2001.<br /><br />MAETERLINCK, Maurice. “Menu Propos: Un Théâtre d´Androïdes”. In: Introduction à une psychologie des songes (1886-1896) - textes réunis et commentés par Stefan Gross. Bruxelles: Éditions Labor, 1985.<br /><br />MICHAUD, Guy. Méssage Poétique du Symbolisme. Paris: Libraire Nizet, 1947. 4 vol.<br /><br />VIRMAUX, Alain. “Os manequins”. In: Artaud e o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2000.<br /> [1] MAETERLINCK, Maurice. “Menu Propos: Un Théâtre d´Androïdes - 1890”. In: Introduction à une psychologie des songes (1886-1896) - textes réunis et commentés par Stefan Gross. Bruxelles: Éditions Labor, 1985. Todas as citações sem indicação se referem a este texto. Nossa tradução.</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-54002426454720049312008-05-21T18:21:00.001-07:002008-05-21T18:21:57.688-07:00O OLHO DO ATOR<div align="justify">O OLHO DO ATOR<br />Roberto Mallet<br />Este texto corresponde à palestra que proferi no Festival Universitário de Teatro de Blumenau no dia 7 de julho de 2000. A sua transcrição foi feita por Fernando Weffort.<br /><br />O que é preciso ver para ser ator, para ser um artista? Essa é uma discussão que está ligada à arte contemporânea de um modo geral e não só ao trabalho do ator especificamente. Então, gostaria de começar lembrando a origem da palavra Teatro, que muitos de vocês aqui devem conhecer. Teatro quer dizer lugar onde se vai para ver - Theátron. Esse ver do teatro, pelo menos da palavra grega theaomai, provém da raiz thea, um verbo que se traduziria mais<br />corretamente para o português por contemplação. A contemplação é uma visão intuitiva das coisas, uma visão intelectual, da inteligência. O teatro não seria,<br />portanto, um lugar onde eu vou para encher os olhos - como muitas vezes acaba acontecendo no teatro e na arte contemporânea, uma arte que se dirige mais ao<br />olhar sensível. A arte, pelo menos se a gente for pegar a história da arte, sempre foi pensada, exceto em algumas correntes nos últimos dois séculos, como se<br />dirigindo fundamentalmente à nossa inteligência através dos sentidos.<br />Eu venho dizendo há alguns anos que a formação do artista é também a construção de um olhar, de uma maneira de olhar, um olhar que pretenda compreender. E a nossa questão aqui é: eu como ator preciso desenvolver que tipo de olhar? Me parece que isto é algo que não fica claro para nós atores.<br />Conta-se de um pintor que estava pintando um quadro e procurava de uma determinada cor que estava próxima do lilás, e ele não encontrava esta cor. Era<br />um pintor que costumava ir muito aos museus, observava muito as obras de arte como inspiração e treinamento do olhar. E esse pintor, ainda atrás desse lilás, chama um coche para ir a um museu exatamente para ver se ele encontrava a porra do lilás que procurava. Quando chega o coche - era um dia iluminado, com muito sol -, era um coche todo amarelo, e quando ele viu o coche (vocês devem<br />saber que existem cores complementares que irradiam-se em torno dos objetos - se você tem um objeto muito amarelo em torno dele você tem uma aura roxa, lilás, que é complementar do amarelo.), quando ele viu o coche ele disse: “não preciso<br />mais ir ao museu”; voltou e preencheu a zona em torno desse ponto onde ele queria a cor com amarelo, e criou essa cor complementar. Ou seja, um pintor é<br />alguém que tem um olhar afiado para cores, manchas, volumes, linhas... É alguém que aprende a olhar. Quem não consegue ver bem, não consegue desenhar bem, não consegue pintar bem, é óbvio. Claro que ele já tem esse talento natural, mas é algo que precisa ser desenvolvido. Um músico é alguém que ouve bem, alguém que consegue ouvir coisas que nós não ouvimos. Não é? A gente conhece músicos e fica às vezes assustado: “como é que esse cara está ouvindo tanta coisa? Eu não estou ouvindo nada disso.” Mas as coisas estão lá, ele é capaz de ouvir, ou seja, ele tem um ouvido treinado.<br />E nós atores temos que ter um olho treinado para o quê? Qual é a nossa matéria de trabalho? O que é que corresponde às linhas, volumes, cores no trabalho do ator? E isso liga-se com a questão do teatro grego: eu vou ao teatro para ver o quê? Para compreender o quê?<br />Parece-me que na formação do ator se descuida muito esse aspecto – a gente precisa ver teatro para aprender a fazer teatro. Nós estamos começando o<br />Festival aqui, nós vamos passar ainda por vários debates. E o que eu tenho visto na maioria dos debates em outros festivais por aí, neste aqui também, em outras edições, é que o olhar das pessoas sobre o espetáculo é muito vago, é muito pouco definido. As pessoas não sabem para onde devem olhar. Isto resulta numa avaliação vaga, numa avaliação indefinida, baseada muito mais no gosto do que<br />em dados objetivos; “gostei”, “não gostei”, “não me agrada”, “você poderia ser mais incisivo”, quer dizer, coisas que não se baseiam na obra propriamente dita<br />mas em reações subjetivas.<br />Eu venho nos últimos anos discutindo muito um tema que me parece um pouco fora do nosso imaginário, do nosso campo de discussão, que é a nossa<br />dificuldade em ser objetivos, em ver. Claro, nós estamos vivendo um período em que, há pelo menos 300 anos, a nossa civilização entrou numa relativização de todos as coisas. Começa com Descartes, na verdade começa com Guilherme de<br />Ockam em 1350, passa por Descartes e chega em seu ápice com Kant, que chega à conclusão de que eu só posso saber o que eu percebo do mundo, mas<br />não posso saber nada sobre o mundo propriamente dito; que eu não posso afirmar nada sobre a realidade externa, sempre ela é subjetiva. Nós vivemos ainda sobre a égide desse pensamento. A Academia, a Universidade inteira - não esta ou aquela, mas toda Universidade - vive sob a égide desse pensamento. Uma relativização de todas as coisas. A filosofia contemporânea inteira, a sociologia, a lingüística, etc., etc. De maneira que muitas vezes a gente não consegue ter um olhar objetivo sobre as coisas, e vivemos em nossa imaginação. O nosso<br />imaginário se torna o filtro através do qual a gente vê as coisas.<br />Eu dizia que nos debates, muitas vezes (quando a gente está de fora é mais fácil ver do que quando a gente está de dentro), os diretores e atores quando<br />falam sobre o seu espetáculo, eles falam sobre um espetáculo que eles imaginaram e não sobre o espetáculo que está lá. Não sei se vocês já perceberam isso, é muito comum. Eu imaginei determinadas coisas, eu tenho determinadas<br />idéias sobre o espetáculo e eu não consigo confrontar essas idéias, essas imagens, com o objeto que é o próprio espetáculo. Aí vem todo aquele discurso:<br />“tudo é relativo”; “isso é subjetivo”... Então eu gostaria que vocês refletissem – a nossa oficina busca um pouco isto - sobre a distância que há muitas vezes entre o que eu penso sobre as coisas ou o que eu imagino sobre as coisas e a maneira como elas de fato se apresentam a mim.<br />Mas voltando ao trabalho do ator, que matéria é essa que meu olho deve ser treinado para ver? Obviamente são as ações. A matéria do teatro, a matéria do<br />ator são as ações. Fundamentalmente o ator é aquele que age - por definição. A melhor maneira que eu tenho encontrado nos últimos anos de explicar o que é<br />uma ação, é baseada na teoria das quatro causas do Aristóteles.<br />Para Aristóteles, todo objeto, todo ente, tudo aquilo que existe no universo tem quatro causas. A causa eficiente, a causa formal, a causa material e a causa<br />final. Se a gente pensar isso num objeto qualquer, um objeto artificial – uma cadeira por exemplo - fica bastante claro para nós. Para que uma cadeira exista o que é preciso? Bom, primeiro precisa alguém que a faça; uma cadeira não aparece do nada. É o que Aristóteles chamava de causa eficiente. Segundo, ela<br />precisa ter uma forma. O que é forma? É a estrutura interna dela, é a idéia dela (idéia no sentido Aristotélico - eidos). Terceiro, ela precisa de uma matéria da qual<br />ela seja feita; eu não posso fazer uma cadeira de nada. Então eu vou ter sempre uma matéria, que é a causa material. E quarto, ela tem uma finalidade; aquilo é construído por alguma razão.<br />Aristóteles aplica isso ao universo inteiro, tanto ao universo artificial, quanto ao universo natural. Nós não vamos entrar aqui na questão do universo natural<br />porque tem muita discussão nisso e nós vamos perder o rumo da nossa conversa.<br />Então nós vamos nos limitar aos objetos artificiais. Nos objetos artificiais isso aí é de uma obviedade indiscutível. Numa obra de arte, por exemplo (numa cadeira), você sempre vai ter esses quatro elementos. No nosso comportamento isso aí é indiscutível também; a gente não faz nada, absolutamente nada, sem razão alguma. A gente pode até pensar que está fazendo sem razão, aí entra toda a teoria freudiana, da psicanálise e de todas psicologias que buscam encontrar as motivações ocultas em atos aparentemente sem sentido... e isso está por trás<br />dessa teoria, ela parte desse princípio: não existe nada que aconteça por acaso.<br />Então se você sonhou com alguma coisa deve ter alguma razão para isso, e ela vai atrás dessas razões.<br />Agora, se a gente se voltar para o ator - Stanislavski falava disso exaustivamente, não tenho nada de novo para dizer para vocês, talvez eu só esteja tentando pegar isso numa linguagem, a partir de alguns elementos mais acessíveis a nós - toda ação tem o que ele chamava de objetivo, e que o Aristóteles chamava de causa final, e é ela que move a ação. Dizia o Aristóteles que a causa final é que move, mas ela não move da mesma maneira que a causa<br />eficiente - que é aquele que vai lá e faz, se movimenta e age para fazer a cadeira - ela move, de uma certa forma, como atração. Eu quero chegar naquele objetivo e portanto eu faço alguma coisa. É esse o sentido de movimento para a causa final, o objetivo.<br />Agora, no trabalho do ator a gente percebe que existe duas ações pelo menos, talvez três. Vamos pegar um espetáculo realista em que é mais fácil da<br />gente pensar isso, mas isso se aplica, guardadas as transposições necessárias, para o teatro não-realista, para a dança, enfim, para qualquer uma das artes que<br />chamamos hoje de performáticas. No teatro realista, você tem a ação da personagem - quando Stanislavski falava em objetivo ele estava se referindo a essa ação, ao objetivo da personagem. Digamos, quando Hamlet convence os atores a fazer aquele espetáculo com o texto que ele escreveu, qual era a finalidade dele? A finalidade dele era testar uma teoria... testar o que o fantasma falou para ele; ver se realmente o rei matou o pai dele ou não. Ele tem uma finalidade objetiva ali. Isso não pode ser esquecido pelo ator.<br />Bom, mas não é só essa ação que a gente tem no ator. Aliás essa ação não está no ator, está no imaginário do ator, às vezes muito mais no imaginário do público do que no imaginário do ator. Há uma confusão freqüente sobre isso entre os nossos atores: achar que há uma identificação de objetivo, ou mesmo de ser, entre o ator e a personagem. Isso é uma grande bobagem; você não pode ser a personagem, por definição - você é você. Segundo, você não pode sentir as coisas que a personagem sente. Muitos atores se perdem nisso, tentando sentir o que a personagem sente, achando que memória afetiva em Stanislavski era isso - não era! É bem verdade que nos livros que a gente tem traduzidos do Stanislavsky, a linguagem é um pouco confusa e pode nos levar a pensar isto.<br />Mas em outros momentos isso é objetivamente dito por ele: o ator não deve se preocupar em sentir, o ator tem que se preocupar em agir. O sentimento é<br />decorrência da ação. E mais, o ator não sente as coisas que a personagem sente.<br />Imagine se o ator que faz Otelo sentisse o que Otelo sente. Seria a produção mais cara do mundo; precisaria de uma atriz por dia, mais o enterro, etc., etc., ia sair muito cara essa produção. O que o ator sente é outra coisa - e não importa muito o que ele sente, importa o que ele faz.<br />Essa segunda ação do ator é uma ação que ele realiza sobre o seu próprio organismo psico-físico e sobre o espaço que o rodeia, sobre os outros atores, sobre o público... enfim, é a ação do criador propriamente dita. Aqui a gente colocaria que o ator é causa eficiente; a matéria é o seu próprio organismo psico-físico;<br />a forma, a ação da personagem; e a finalidade é a própria obra.<br />Está dando para acompanhar? Porque aqui é que está o buraco, me parece. A finalidade é a própria obra. É o que Stanislavski chamava de superobjetivo. E é a própria obra enquanto sentido também - a obra tem um sentido - e não a própria obra em geral - “fazer teatro”. Me parece que este é um dos nossos equívocos fundamentais. Claro que na oficina a gente vai ter a oportunidade de fazer pequenos experimentos práticos que vão esclarecer isso um pouco melhor do que essa breve conversa que a gente está tendo. Mas eu vou tentar falar um pouco sobre isto, porque me parece que se a gente conseguir ver isso com mais clareza, nosso trabalho ganharia muito.<br />Uma vez que a ação da personagem é a causa formal do trabalho do ator, ela tem que estar muito presente nesse trabalho. O Stanislavski dizia uma coisa genial em relação a isto: o ator não pode pensar nunca em generalidades. E é a coisa que a gente mais faz.<br />Todos vocês devem ter tido essa experiência: você entra em cena, começa a desenvolver alguma coisa, o diretor pára e diz: mas você está fazendo isso por<br />quê? Você está querendo o quê? “- Não, é que... é...” - a gente não sabe, é sempre muito geral. “- Não, é que... ela está querendo ser feliz.” Mas o que é isso, “querer ser feliz”? “Ela quer se vingar...” Mas o que é isso, “querer se vingar”? Isso é muito geral. É o que eu dizia antes, a gente vive num mundo muito abstrato. Porque o mundo da imaginação é um mundo abstrato, é um mundo esquemático. Quando você lembra de alguém, por exemplo - mesmo pessoas que você conhece intimamente, mesmo sua mãe - a imagem que você tem de sua mãe é um esquema, onde está faltando um monte de coisa, é abstrata. Como é<br />que eu faço para concretizar isso, como ator? Como é que eu transformo isso em<br />ação? Esta é a pergunta.<br />A imaginação do ator tem que ser uma imaginação que se encarna. Ou seja, é uma imaginação que não é puramente mental. A gente muitas vezes acha<br />que a imaginação é uma espécie de filme que está lá na nossa cabeça. A gente reduz a imaginação à memória visual. Ok, nós temos mesmo um preponderância do olhar na nossa percepção, mas quando eu transformo isso em ação, isso tem<br />que se encarnar em meu corpo, ou seja, você tem que trabalhar com os seus cinco sentidos.<br />Jacques Copeau tem uma definição muito legal sobre o trabalho do ator, onde ele diz que o ator não mente, não é uma mentira o trabalho do ator, mas é uma espécie de ação (eu prefiro a palavra ação, ele fala em sentir o imaginário), uma ação diziam assim: não existe o teatro, existem teatros! Como se o plural<br />resolvesse o problema. Mas quando você fala teatro você está falando do quê? E se é plural, é plural do quê? Isso é uma negação, de novo, tipicamente do mundo contemporâneo, uma negação das essências. Uma idéia de que as essências não existem. De uma certa forma, de fato elas não existem, porque elas só existem na coisa, não existe uma essência separada, uma essência pura, isso não existe mesmo. Mas a definição de teatro (talvez a mais apropriada, ou a que eu mais uso) é: alguém que age num plano ficcional diante de alguém que vê. Se você tiver isso você já tem teatro.<br />Nesse caso, por exemplo, que eu citava, um exercício onde a pessoa não sabe exatamente o que ela está fazendo, ela não tem claro um objetivo interno à cena. O que é que está acontecendo de fato? Eu concluí ao longo desses meus anos de trabalho que é a causa final que está errada. Não é que ela não tenha um<br />objetivo, é que ela está com um objetivo equivocado. O objetivo dela é, por exemplo, resolver a cena. Ela entra para isso. Dá para entender onde é que está esse buraco?! Isso é fundamental! Digamos que você tem essa cena de que a gente falava, do Hamlet. Ele quer convencer os atores a fazerem um determinado<br />espetáculo porque ele está interessado em revelar ou, pelo menos, em testar o rei.<br />Esse objetivo é muitas vezes esquecido pelo ator e ele entra na cena para fazer teatro - é isso que está na cabeça dele, a gente vê isso nos espetáculos com<br />muita freqüência, isso aí é o ponto a partir do qual o espetáculo começa a se degradar, começa a esvaziar. As pessoas já não repetem, já não refazem os espetáculos com os objetivos reais do espetáculo, mas com o objetivo de fazer de novo, de repetir; elas mudam o objetivo insensivelmente, e não percebem que estão mudando o objetivo. Agora mesmo com o espetáculo que eu estava dirigindo lá em São Paulo aconteceu isso no meio da temporada. Eles fizeram um espetáculo péssimo. E você vai ver por que é que isso acontece - é porque não há mais o impulso inicial que movia o ator; ele esqueceu daquele impulso e começa a gerar uma outra preocupação que é repetir e fazer o espetáculo bem feito. Isso quando havia uma ação originalmente.<br />Muitos atores têm como objetivo fundamental ser admirados. A pessoa está em cena não é para fazer teatro, não é para te dizer alguma coisa, mas é para que você diga alguma coisa para ela. Isso é maravilhoso. Nós precisamos identificar isso, porque isso está na cena.<br />Notem: a causa final está na cena. É ela que move o agente. Dito de outra maneira: a causa final determina a obra. E se ela determina a obra, eu posso identificá-la na obra. Há pouco tempo eu assisti um espetáculo, em uma mostra, que era uma série de histórias... Era um espetáculo composto de narrativas... E esse espetáculo era costurado por pequenas canções. Eram dois atores, um que tocava violão e cantava e o outro que fazia mais a narrativa e que também cantava. E acontecia uma coisa muito ruim no espetáculo: a narrativa era maravilhosa, as músicas de ligação eram muito fracas. Quando entravam essas<br />músicas o espetáculo caia lá em baixo. Aí, quando retomava a narrativa, o espetáculo vinha subindo e voltava para o ponto. Vendo o espetáculo imediatamente compreendi: esse ator, o violonista, é o compositor das músicas.<br />Só pode ser isso. É a única razão para que essas músicas estejam costurando o espetáculo. E tiro e queda! Ele era o compositor das músicas. Dá para perceber?<br />Quer dizer, o cara simplesmente ficou cego, ele deixou de ver a obra que estava construindo em função do desejo pessoal de mostrar suas músicas. E ele simplesmente fica cego mesmo. Porque se ele soubesse disso, tudo bem, estão me entendendo? O que nós estamos discutindo aqui é isso: o problema é que você cega, deixa de ver. O objetivo é tão forte que cobre, te cega. Porque se o cara lá entrasse em cena sabendo que ele quer ser admirado, ok, porque ele<br />conseguiria transpor isso e poderia até vir a conseguir o seu intento, mas o problema é que ele não sabe disso e a direção não percebe isso também. Se o<br />objetivo dele é “fazer teatro”, é “mudar o mundo”, isso é uma coisa muito vaga, muito ampla. Os objetivos precisam ser concretos.<br />E o que é essa ação dramática, então? Essa é a minha discussão há anos, quem me conhece sabe que esse é o tema corrente, obsessivo da minha discussão. Porque eu acho que a maioria dos nossos atores não compreende mais o que é a ação dramática.<br />Por exemplo, hoje em dia temos muitos espetáculos onde o objetivo é mostrar as habilidades adquiridas pelo elenco. Algumas pessoas que vêem na linha do teatro antropológico caem nisso. Não estou nem dizendo que o teatro antropológico cai nisso. Mas o cara adquiriu uma habilidade, passou meses, anos<br />trabalhando para adquirir a porra daquela habilidade e ele não se contenta que aquilo seja apenas um elemento estrutural no seu trabalho, ele precisa mostrar para as pessoas a habilidade que ele tem. E aí você perdeu a dimensão da ação, e portanto a dimensão do sentido, e foi para a demonstração de habilidade, que é um fato circense e não teatral. Eu vou ao circo para ver habilidades desenvolvidas.<br />Uma vez eu vi no programa do Jô Soares um treinador de orangotangos. Depois de demonstrar várias habilidades do orangotango, havia um número em que o orangotango comia, numa mesinha. O Jô perguntou-lhe: “Quanto tempo para fazer o orangotango comer no prato?” E o treinador respondeu: “Um ano só para<br />fazê-lo pegar na colher.” E e é isto, você vai ao circo e aplaude porque o cara perdeu um ano da vida dele para fazer um orangotango pegar numa colher. É<br />esse o sentido do circo. O Barba tem uma definição legal sobre isso - eu tenho as minhas diferenças com o Barba (e ele tá cagando pra isso, né?), mas o trabalho<br />teórico dele tem um valor imenso... Eu costumo dizer que o Barba faz teatro comparado e não antropologia teatral - ele comparou várias formas de teatro e<br />tirou os princípios que subjazem a todas elas, e é um trabalho brilhante, nenhum de vocês pode desconhecer a obra desse cara, especialmente o livro A Canoa de Papel, que para mim é o livro mais generoso do Eugênio Barba, e também o de maior utilidade para os atores. Mas, voltando, ele diz uma coisa que é muito legal nesse sentido. Ele diz: eu vou ao circo para ver algo que é incrível. Minha relação<br />com o circo é essa, eu vejo o cara fazendo e percebo que eu não conseguiria fazer aquilo. Ele está demonstrando uma habilidade que eu não tenho. E eu vou ao teatro para ver algo que é crível. É o contrário. No teatro eu acredito (ficcionalmente, é claro) no que está acontecendo. Então, toda demonstração de<br />habilidade no teatro me distancia, no sentido de eu observar aquilo como circo, ou seja, como algo que não tem sentido senão a demonstração da habilidade.<br />Portanto toda ação, se tem uma causa final, tem um sentido. Teve um tempo que eu costumava dizer que num espetáculo ou num determinado momento não tem ação. Mas é preciso ir mais a fundo nisso. Na verdade é impossível que não tenham ações lá. De acordo com Aristóteles, tudo está agindo o tempo todo. O que ocorre é que a ação não é dramática, ou seja, a ação não é teatral. O objetivo do que o cara está fazendo não corresponde, não se integra no contexto do teatro. Por exemplo, uma ação cujo objetivo seja mostrar as habilidades do sujeito saiu do âmbito teatral. O cara que está te mostrando os belos pensamentos que ele teve, as coisas muito interessantes que ele tem a dizer, saiu do âmbito teatral.<br />Voltando à questão do olhar do ator - do olho do ator: para onde o nosso olhar tem que se dirigir no dia a dia? O que é que nós temos que observar? As ações e, portanto, os sentidos das coisas. Não de um ponto de vista crítico – não tenho que observar os homens como se eu fosse um técnico de laboratório, um<br />crítico... aliás, você vai se tornar um chato se você for por esse caminho, que está sempre analisando, detectando o que é as pessoas estão querendo. Mas com amor. Ou seja, eu tenho que me colocar no lugar das pessoas e tentar perceber oque elas querem, por que é isso que está determinando a ação delas. Não é isso?<br />Eu sei quem alguém é não pelo seu caráter, mas pelas suas ações. É o que o velho Aristóteles dizia. no teatro o caráter não é o mais importante, o caráter da<br />personagem, mas a trama dos fatos, as ações. Eu sei quem alguém é pelas coisas que ele faz. Não adianta a pessoa me dizer: olha, eu sou muito generoso...<br />A gente não acredita. A gente espera até ver essa pessoa numa situação tal que nos revele se realmente ela é generosa ou não. O que a gente fala sobre nós<br />mesmos (e sobre os outros) tem pouca importância se comparado ao que a gente faz.<br />Bom, eu queria concluir a minha fala dizendo que nos últimos anos eu comecei a colocar como critério de avalição de um espetáculo - como jurado já tive meus problemas por causa disto - se o espetáculo é generoso. Porque uma obra de arte é feita para o público e um espetáculo que é feito para ser admirado,<br />louvado, é um espetáculo que está fechado em si mesmo. Eu gosto de dizer que o ator é um presente que se dá. Então esse ato de generosidade, de doação, ele está por trás dessa ação do ator. Se você conseguisse ter isso mais claro você já eliminaria metade das ações equivocadas que você pode realizar em cena.<br />Metade. A outra metade você tem que alcançar por outro caminho.<br />O Jacques Copeau tem uma frase definitiva sobre essa questão: “para o ator doar-se é tudo; mas para doar-se é preciso antes possuir-se”. Então esse<br />olhar que pretende conhecer o outro, deve também ser um olhar objetivo e - aí sim muito cruel - em relação a nós mesmos. A gente também tem que observar nas<br />nossas ações - o que de fato nos move. Porque nós somos muitas vezes grandes mentirosos em relação a nós mesmos. A gente doura a pílula. A gente está<br />querendo uma coisa, mas pra não confessá-lo dizemos que estamos querendo outra. E isto para nós mesmos! Nós conseguimos enganar a nós mesmos, e isso é um verdadeiro prodígio.<br />Esse questionamento das ações no mundo, inclusive das minhas, ou talvez principalmente das minhas, é que pode me dar um conhecimento mais profundo<br />da matéria (ou da forma, depende do ponto de vista) do ator, que é a ação.<br /><br />Roberto Mallet é diretor, ator e professor. Em 1992 fundou o Grupo Tempo onde dirigiu os<br />espetáculos Judite (1993), Abismo de Rosas (1994), Teresinha (1998), Canto de Outono (1999) e<br />Drakul - paixão e morte (2002). Em 2001 voltou a trabalhar como ator, no monólogo Lições de<br />Abismo, direção de Mario Santana. Cursou Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande<br />do Sul, onde conheceu Maria Helena Lopes (Grupo Tear), com quem estudou de 1980 a 1986,<br />tendo trabalhado como escriba no espetáculo Os Reis Vagabundos (1982) e como ator em Crônica<br />da Cidade Pequena (1984). Desde 1987 vem se dedicando também ao ensino, particularmente<br />nas áreas de interpretação e teoria teatral. Foi professor na Universidade Regional de Blumenau<br />(SC), de 1989 a 1992, e no Curso Livre de Formação de Atores do TUCA, de 1992 a 1994.<br />Ministra freqüentemente workshops e oficinas. Atualmente é professor de interpretação noDepartamento de Artes Cênicas da Universidade de Campinas – UNICAMP.</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-8716292255365303472008-05-21T18:20:00.001-07:002008-05-21T18:20:46.575-07:00Verdade paradoxal do comediante em Diderot<div align="justify">Um dos aspectos mais relevantes das obras de Diderot (1713-1784) é a questão que ele propõe sobre as atividades do teatro francês e do ator de teatro. Para o primeiro, Diderot irá investir criticamente contra a estética que se apresenta, isto é, o teatro francês é inócuo, não suscita emoções, é convencional e incapaz de criar uma ilusão naquele que ao assiste e, por isso, peca pela artificialidade que se apresenta ao público. Ainda, regido por regras arbitrárias, o teatro francês é racional, discursivo e se expressa apenas para poucos espectadores, "escrito em um estilo alambicado, obscuro, tortuoso, empolado, está cheia de idéias comuns" (Diderot, René. Paradoxo sobre o comediante in A Filosofia de Diderot, Editora Cultrix, p. 165)<br /><br />Embora se encontrem opiniões sobre os textos de Diderot que convergem para sentidos opostos, umas dizendo que a sua obra é entrecortada por inclinações opostas, outras dizendo que as inclinações se alteram no decorrer dos escritos, pois os objetos mudam e por isso as idéias, que por si só são pontos de reflexão e plenas de atividades, mudam de acordo com a complexidade do objeto, há uma insistência e constância nas suas concepções teóricas. Para Diderot, em toda a sua trajetória, a função do teatro continua a mesma, isto é, a arte cênica é a imitação da própria vida; a realidade com qual a platéia deve se fundir, um a outro, a ponto de tomar para si a ficção pela realidade. O teatro ultrapassa a barreira do preconceito e do mero entretenimento, Diderot acredita que este deve transtornar o espectador ao ponto de abalar e causar-lhe um efeito duradouro, uma impressão que não se dilua após o espetáculo. O filósofo e dramaturgo participa um teatro como meio de comunicação, inspirado e desempenhado a favor de uma moral social, que possa agir sobre o público a partir de uma estética bem elaborada que suscite emoções de certo modo permanente no espectador, fazendo vir à tona a finalidade comum das artes, que é: "fazer com que o homem ame a virtude e odeie o vício" (Matos, Franklin de, O Filósofo e o Comediante, Ed UFMG, p.29).<br /><br />Desse modo, nesta trajetória, surge uma dramaturgia na obra de Diderot que promove a observação da natureza, não da natureza por ela mesma, mas uma observação refletida sobre modelos ideais, que ao reproduzi-los autor e ator se apliquem com ênfase na movimentação estilizada ao que é natural e ao abandono da proporção e da simetria. Pois, se por um lado o discurso elaborado é agradável aos ouvidos, por outro ordena as coisas e inibe as paixões. Assim, "compete à natureza dar as qualidades da pessoa, a figura, a voz, o julgamento, a sutileza. Compete ao estudo dos grandes modelos, ao conhecimento do coração humano, à prática do mundo, ao trabalho assíduo, à experiência e ao hábito do teatro, aperfeiçoar o dom da natureza. " (Diderot, opus cit, p. 165). Embora, como comenta o professor Franklin de Matos, este movimento da estética de Diderot nasça de um conceito de mimesis que se baseia na sensibilidade, espontaneidade, entusiasmo e se inclina, devido à experiência, quer como dramaturgo, quer como critico de arte; para a frieza, tranqüilidade e penetração, Diderot não abandona a sua crítica principal ao teatro clássico francês e a proposta de uma reforma da cena teatral.<br /><br />Para o segundo, retomando: o ator, Diderot afirma: "o comediante que representar com deliberação, com estudo da natureza, com imitação constante segundo algum modelo ideal, com imaginação, com memória, será um e o mesmo em todas as representações, sempre igualmente perfeito, tudo foi medido, combinado, apreendido, ordenado em sua cabeça (...)Ele não será desigual: é um espelho sempre disposto a mostrar objeto e a mostrá-los com a mesma precisão, a mesma força e a mesma verdade" (Diderot, opus cit, p. 167-168). Em suma, o autor pode ser em si mesmo verdadeiro sendo outro. À medida que o ator se apresenta frio, tranqüilo e compenetrado, mais ele terá o controle e domínios das suas emoções e assim, formando o paradoxo, ele poderá representar (imitar) de modo verdadeiro as emoções da personagem diante do público.<br /><br />O teatro é visto, neste momento das reflexões de Diderot, como um teatro das inflexões, que privilegia os componentes pré-verbais, isto é, a desarticulação de idéias, os monossílabos, os ruídos, os gritos, o que coloca a palavra em segundo plano com a ascensão das emoções. Mas isto não tira das mãos do poeta o valor da sua composição? Não, apesar do paradoxo que se forma mais uma vez, desde que o teatro seja visto como a voz do discurso do poeta, este movimento em verdade aproxima o ator da energia das palavras e das cenas que são postas aos seus cuidados, o verdadeiro palco, afirma Diderot, "é a conformidade das ações, dos discursos, da figura, da voz, do movimento, do gesto, com um modelo ideal imaginado pelo poeta, e muitas vezes exagerado pelo comediante. Eis o maravilhoso" (Diderot, opus cit, p. 175). Ainda que nenhuma língua seja capaz de dar conta da delicadeza e diversidade de uma emoção, as palavras do poeta, na perspectiva de Diderot, emergem da motricidade corporal com que o ator as representa no palco, a emoção brota da realidade observada e escrita pelo poeta, que pode agora indicar a energia passional que o seu texto exprime. O paradoxo de Diderot envolve duas "verdades" que aparentemente se afastam, mas que, de fato, se harmonizam a favor da perfeição. A perfeição das obras se medem pelo seu poder de iludir (Matos, Franklin de, opus cit, p.38), isto é, a cena de teatro perfeita é aquela que o público toma como verdadeira, sendo em si uma ilusão.<br /><br />Porfírio Amarilla<br /><br />Filósofo pela USP/FFLCH</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-12822310755510145362008-05-21T18:18:00.000-07:002008-05-21T18:19:17.611-07:00AOS ATORES<div align="justify">Aos atores<br />Jacques Copeau<br /> <br /> <br />"Tenho uma elevada idéia do talento de um grande ator, escreveu Diderot com melancolia, esse homem é raro..."<br /><br />Tanto mais raro, com efeito - e tanto maior quando surge - pelo fato de o ofício que ele exerce ameaçar tanto a pessoa humana, sua integridade, sua elevação.<br /><br />Shakespeare disse (Hamlet, ato II, cena II) que a natureza do ator vai contra a natureza, que ela é horrível e ao mesmo tempo admirável. Ele o disse em uma só palavra: Monstrous.<br /><br />O que é horrível, no ator, não é uma mentira, pois ele não mente. Não é um engodo, pois ele não engana. Não é uma hipocrisia, pois ele aplica sua monstruosa sinceridade em ser aquilo que ele não é, e não em exprimir o que ele não sente, mas em sentir o imaginário.<br /><br />O que perturba o filósofo Hamlet, da mesma forma que suas outras aparições dos infernos, é, em um ser humano, o desvio das faculdades naturais para um uso fantástico.<br /><br />O ator expõe-se a perder sua face e a perder sua alma. Ele as encontra falseadas, ou não as encontra mais, no momento em que necessita delas para retornar a si mesmo. Seus traços não são recuperados, seu jeito e seu verbo permanecem excessivamente desligados, destacados, como que separados da alma. A própria alma, com muita freqüência alterada pela representação, excessivamente arrebatada, excessivamente ferida pelas paixões imaginárias, contraída pelos hábitos artificiais, pisa em falso sobre o real. Toda a pessoa do ator guarda, neste mundo humano, os estigmas de um estranho comércio. Ele tem o ar, quando retorna ao nosso meio, de quem saiu de um outro mundo.<br /><br />A profissão do ator tende a desnaturá-lo. Ela é conseqüência de um instinto que leva o homem a desertar para viver sob as aparências. É portanto uma profissão que os homens desprezam. Consideram-na perigosa. Tacham-na de imoralidade, e condenam-na por seu mistério. Essa atitude farisaica, que não foi eliminada pelas mais extremas tolerâncias sociais, reflete uma idéia profunda. É que o ator faz uma coisa proibida: ele representa sua humanidade e brinca com ela. Seus sentidos e sua razão, seu corpo e sua alma imortal não lhe foram dados para que os utilize assim, como um instrumento, forçando-os e desviando-os em todos os sentidos.<br /><br />Se o ator é um artista, ele é de todos os artistas o que em maior grau sacrifica sua pessoa ao ministério que exerce. Ele não pode dar nada se não se dá a si mesmo, não em efígie, mas de corpo e alma, e sem intermediário. Tanto sujeito quanto objeto, causa e fim, matéria e instrumento, sua criação é ele mesmo.<br /><br />É aí que habita o mistério: que um ser humano possa pensar e tratar a si mesmo como matéria de sua arte, agir sobre si mesmo como sobre um instrumento ao qual ele deve identificar-se sem deixar de distinguir-se, agir e ser o que age ao mesmo tempo, homem natural e marionete...<br /><br />... Há alguma coisa no ator que depende daquilo que ele é, que atesta sua autenticidade, que se nos impõe por sua maneira, sem fraude possível, e desde que ele surge em cena, antes que tenha aberto a boca, por sua simples presença. É essa alguma coisa que, em nosso tempo, distinguia entre todas uma atriz como a Duse. É uma qualidade da natureza, que a arte pode servir para iluminar, mas que não poderia imitar...<br /><br />Que o ator nem sempre sinta o que representa, que ele represente o texto sem representar a personagem nem a situação, que ele consiga representar sem erro aparente, ou seja, mais ou menos justa e corretamente, mesmo que não seja tocado - isto é verdade. É seu fracasso. É a tendência que seguem os preguiçosos e os medíocres. É o martírio a que os melhores expõem-se todos os dias, pois nenhum deles jamais sabe se não sentir-se-á subitamente devastado pela secura em um desses horríveis momentos em que ele se ouve falando, em que se vê representar, em que julga a si mesmo e, quanto mais se julga, mais se evade.<br /><br />Diderot dirá que "ele está comovido sem nada sentir".<br /><br />Se ele está visivelmente "comovido" é com efeito porque ele não sentia nada. Ele estava por sentir.<br /><br />A idéia de uma sensibilidade que possui a si mesma, de uma espontaneidade que se busca, de uma sinceridade que se trabalha provoca facilmente o sorriso. Que não se sorria depressa demais. Que se reflita antes sobre a natureza de um ofício em que há tanta matéria a trabalhar. A luta do escultor com a argila que modela não é nada, se a comparamos com as resistências que opõem ao ator seu corpo, seu sangue, seus membros, sua boca e todos os seus órgãos.<br /><br />Imagino um ator diante do texto de um papel que ele ama e compreende, cujo caráter convém à sua natureza, cujo estilo adapta-se aos seus meios. Ele sorri de satisfação. Esse papel, ele o decifra sem esforço. A primeira leitura que faz surpreende por sua justeza. Tudo é magistralmente indicado, não somente na intenção geral, mas até nas pequenas nuances. E o autor alegra-se por ter encontrado o intérprete ideal que vai levar sua obra às nuvens: "Espere, diz-lhe o ator, ainda não o sou." é que ele não se engana com essa primeira tomada de posse em que apenas o espírito fez sua parte.<br /><br />Eis que ele se põe a trabalhar. Repete o texto à meia-voz, com precaução, como se temesse espantar alguma coisa dentro de si mesmo. Essas repetições confidenciais ainda guardam a qualidade da leitura. As nuances da emoção ainda são perceptíveis para alguns auditores privilegiados. O ator, agora, possui seu papel, de memória. É o momento em que começa a possuir um pouco menos sua personagem. Ele vê o que deve ser feito. Compõe e desenvolve. Realiza os encadeamentos, as transições. Racionaliza seus movimentos, classifica seus gestos, conserta suas entonações. Olha-se e ouve-se. Destaca-se. Julga-se. Parece não dar nada de si mesmo. Por vezes interrompe-se em seu trabalho para dizer: não sinto isto. Propõe, freqüentemente com razão, uma modificação no texto, uma inversão na frase, um retoque na encenação que lhe permitiria, acredita, sentir melhor. Procura meios de colocar-se em situação, em estado de sentir: um ponto de partida, que por vezes estará na mímica, ou no diapasão da voz, em uma descontração particular, em uma simples respiração... Esforça-se por encontrar uma harmonia. Arma suas redes. Organiza a captura de alguma coisa que compreendeu e pressentiu há muito tempo, mas que lhe permanece exterior, que ainda não entrou nele, não alojou-se nele... Escuta com um ouvido distraído as indicações essenciais que lhe são dadas, do proscênio, sobre as emoções da personagem, seus móveis, todo seu mecanismo psicológico. E entretanto sua atenção parece absorvida por detalhes irrisórios.<br /><br />É então que o autor, com uma polidez excessiva, pega pelo braço seu ilustre intérprete e diz-lhe ao ouvido: "Mas, caro amigo, por que não mantém o que fez no primeiro dia? Estava perfeito. Seja você mesmo."<br /><br />O ator não é mais ele mesmo. E ainda não é "o outro". O que fez no primeiro dia escapa-lhe à medida em que se põe na situação de representar seu papel. Precisou renunciar ao frescor, ao natural, às nuances, e a todo o prazer que lhe causava sua animação, para realizar o trabalho difícil, ingrato, minucioso que consiste em fazer sair de uma realidade literária e psicológica uma realidade de teatro. Precisou ordenar, dominar, assimilar todos os procedimentos de metamorfose que são ao mesmo tempo aquilo que o separa de seu papel e aquilo que a ele o conduz. É somente quando tiver realizado esse estudo de si mesmo em relação à personagem dada, articulado todos os seus meios, exercido todo seu ser em servir às idéias que formou e aos sentimentos para os quais prepara o caminho em seu corpo, em seus nervos, em seu espírito, até a profundeza de seu corpo, é então que reaver-se-á, transformado, e que tentará doar-se.<br /><br />Enfim o ator preenche seu papel. Não encontra nada de fútil nem de artificial. Poderia vivê-lo sem palavras. Confronta sua sinceridade com esse belo "silêncio interior" de que falava Eleonora Duse.<br /><br />Eis o homem exposto no teatro, oferecido em espetáculo, posto em julgamento. Ele entra em um outro mundo. Assume essa responsabilidade. Sacrifica-lhe todo um mundo real: inquietação, mal-estar, pesar, sofrimento - ou antes, é libertado dele. Mas a atitude de seus comparsas em cena, uma reação da sala, uma desordem nos bastidores, o brilho de um refletor, a dobra de um tapete, um erro da administração, um esquecimento de acessórios, um acidente no figurino, uma falha da memória, um lapso da boca, uma queda passageira de sua força vital - tudo o ameaça, tudo está contra ele que, sozinho, tem que tudo dominar; tudo pode a cada instante interpor-se entre sua sinceridade, que nada poderia forçar quando se esquiva, e o jogo que ele tem que jogar seja lá como for. Tudo pode despojá-lo do que ele pensava ter dominado através de um longo trabalho, separá-lo da personagem que havia composto de sua substância mas que pode sofrer, como esta, alterações profundas e repentinas.<br /><br />A cortina sobe e o surpreende... seu primeiro ataque se dá um pouco involuntariamente... ei-lo desunido. Eu o vejo torcer a ponta de sua gravata. Deixa um instante de sentir. Bate em retirada. Procura um ponto de apoio. Respira profundamente. Creio que vai se recuperar, porque conhece seu ofício. Você me diz que a perturbação em que o colocaram esses fúteis incidentes prova que ele não sentia nada. Eu acredito que quanto mais um ator é sensível, mais está sujeito a essas vertigens. Mas ele vai voltar a sentir... porque conhece seu ofício.<br /><br />Suponhamos que não tenha deixado de sentir. Ele atinge sua plenitude. Mas essa própria plenitude, ele precisa medi-la. Ele possui uma medida da sinceridade, como possui uma da técnica. Dir-se-á que o ator não sente nada porque sabe servir-se de sua emoção? Que as lágrimas que correm e esses soluços são vãos porque só estrangulam por um instante a voz do intérprete e não alteram quase nada sua dicção? Não seria antes de admirar, renunciando absolutamente a compreendê-lo, esse admirável instinto, esse dom de natureza e de razão que, há pouco, colocava o ator desconcertado na rota de sua sensibilidade e que agora impede sua emoção de descompor o jogo dramático? Um tal jogo exige uma cabeça "de ferro", como disse Diderot, mas não "de gelo", como ele escreveu antes. Também são necessários nervos flexíveis e resistentes, e operações interiores muito rápidas e muito delicadas.<br /><br />Contestar ao ator a sensibilidade, por causa de sua presença de espírito, é recusá-la a todo artista que observa as leis de sua arte e não permite jamais que o tumulto das emoções paralise sua alma. O artista reina, com um coração tranqüilo, sobre a desordem de seu ateliê e de seus materiais. Quanto mais a emoção aflui nele e o agita, mais seu cérebro torna-se lúcido. Essa frieza e esse estremecimento são compatíveis, como na febre e na embriaguez.<br /><br />... "abarcar toda a extensão de um grande papel, dispor nele os claros e escuros, os suaves e os fracos, mostrar-se igual nas passagens tranqüilas e nas passagens agitadas, ser vário nos detalhes, harmonioso e uno no conjunto, e formar em si mesmo um sistema elevado de declamação... É obra de uma cabeça fria, de um profundo julgamento, de um gosto delicado, de um estudo penoso, de uma longa experiência e de uma tenacidade de memória pouco comum." Diderot tem razão: "tudo foi medido, combinado, apreendido, ordenado" na cabeça do ator. Mas se a sua representação não for mais que a expressão de sua maestria e como que a exposição de um excelente método, ou bem ele descansa na rotina ou bem dissipa-se nos jogos da virtuosidade. O absurdo do "paradoxo" é opor os procedimentos do ofício à liberdade do sentimento e negar, no artista, sua coexistência e simultaniedade.<br /><br />Para o ator, doar-se é tudo. E para doar-se, é preciso antes possuir-se. Nosso ofício, com a disciplina que supõe, com os reflexos que fixou e comanda, é a própria trama de nossa arte, com a liberdade que exige e as iluminações que encontra. A expressão emotiva surge da expressão justa. A técnica não só não exclui a sensibilidade, mas a autoriza e liberta. É seu suporte e sua salvaguarda. É graças ao ofício que podemos abandonar-nos, pois é graças a ele que saberemos reencontrar-nos. O estudo e observância dos princípios, um mecanismo infalível, uma memória segura, uma dicção obediente, a respiração regular e os nervos relaxados, a liberdade da cabeça e do estômago proporcionam-nos uma segurança que nos inspira a audácia. A constância nas entonações, nas posições e nos movimentos preserva o frescor, a clareza, a diversidade, a invenção, a igualdade, a renovação. Permite-nos improvisar.<br /><br />Não é monstruoso que esse ator, em uma ficção, em um sonho de paixão, possa forçar sua alma a sofrer com o seu próprio pensamento a ponto de empalidecer-lhe a face; lágrimas em seus olhos, o aspecto conturbado, a voz entrecortada, e todo os seus gestos adaptando-se em formas à concepção de seu espírito? E tudo isso por nada! Por Hécuba? Quem é Hécuba para ele ou ele para Hécuba, para que a chore?<br /><br />Hamlet, ato II, cena II.<br /><br />Shakespeare descreve como ator a tentativa do homem que agita-se ao fazer viver uma personagem inventada... Interpretar é antes de tudo insinuar-se no conhecimento da coisa a representar. É formar um conceito. É em seguida ter o poder de fazer entrar à força sua própria alma nesse conceito: force his soul... to his own conceit. A inteligência, iluminada pela experiência e pelo raciocínio, constrói idéias coerentes e variadas. A sensibilidade as anima e aquece. No interior e nos limites de uma concepção, a alma trabalha-se, e desse trabalho decorre a operação misteriosa, precária, submetida a toda espécie de circunstâncias e de particularidades, que vai revestir com uma exatidão cada vez maior a idéia - o que Diderot denomina: um fantasma - de formas necessárias, de signos tangíveis nos quais o espectador reconhecerá a natureza daquilo que se passa dentro do ator suiting with forms to his conceit... À medida que os signos afirmam-se, em precisão, em acento, em profundidade, à medida que tomam posse do corpo e de seus hábitos, eles estimulam por seu turno os sentimentos interiores que com uma realidade cada vez maior instalam-se na alma do ator, preenchem-na, suplantam-na. É nesse grau do trabalho que germina, amadurece e desenvolve-se uma sinceridade, uma espontaneidade conquistada, adquirida, da qual se pode dizer que age como uma segunda natureza, que inspira por seu lado as reações físicas e dá-lhes a autoridade, a eloqüência, o natural e a liberdade.<br /><br />[...] E tudo isso por nada! Por Hécuba? Quem é Hécuba para ele ou ele para Hécuba, para que a chore?<br /><br />Onde reside o segredo de uma imaginação que coloca o ator em pé de igualdade com os tormentos do príncipe Hamlet ou com as desgraças de édipo, incesto e parricídio?<br /><br />A esta questão pode-se dar uma resposta. É a de Goethe: "Se eu, disse ele, já não carregasse o mundo em mim por pressentimento, com os olhos abertos permaneceria cego."<br /><br />1928. (1)<br /> <br /><br />É também natural que o ator, às vezes, entreabrindo a cortina e retirando sua máscara, goste de dirigir-se a seu público para dizer-lhe:<br /><br />Eis-me aqui como eu sou, um ser humano como vocês. Não estou fora da sociedade. E nosso mundo do teatro, não pensem que seja unicamente esse império artificial cujo espetáculo lhes dá repouso das misérias do seu próprio mundo, esse lugar de festa perpétua, de bem-estar e de facilidade, no qual basta aportar para ser liberado das preocupações e por assim dizer descarregado do peso de nossa condição humana. Nossa vida é dura, implacável e devoradora.<br /><br />É verdade, por um milagre mais ou menos inexplicável, o jogo teatral às vezes liberta-nos de nós mesmos, faz desaparecerem por algum tempo nossas mais cruéis preocupações e até nossa enfermidades físicas.<br /><br />Mas é igualmente verdade que esse terrível jogo de nossa profissão seria o mais vil de todos se chegasse a deformar-nos, a desnaturar-nos de tal forma que o homem ordinário, o homem humano, o homem sincero, o homem do mundo ou o homem de um ofício possa dizer de nós, com desconfiança e com um certo desprezo: ah! é um ator!<br /><br />Libertar o ator de seu fingimento e arrancá-lo de sua especialização degradante, entregá-lo ao mundo, à vida, à cultura, à grande simplicidade humana, fazer dele um homem entre os homens, que seu público ao aplaudi-lo não deixe de estimá-lo e que seja amado ao ser admirado, elevar a profissão de ator - como o fez Molière em seu tempo e como o fez na Rússia o grande Stanislavski - do descrédito bem merecido pelos falsos artistas, recolocá-lo no mais nobre dos planos, dar enfim ao teatro sua dignidade de grande arte e, permitam-se acrescentar, sua missão religiosa que é a de religar entre si os homens de toda espécie, de toda classe, eu ia dizer - e devo dizê-lo aqui - de toda nação, eis o que vem sendo buscado no Vieux Colombier faz dez anos.<br /><br />1923. (2)<br /><br />A cena é o instrumento do criador dramático.<br /><br />Ela é o lugar do drama, não o dos cenários e das máquinas.<br /><br />Ela pertence aos atores, não aos maquinistas e aos pintores.<br /><br />Ela deve estar sempre pronta para o ator e para a ação.<br /><br />As reformas que realizamos, as que ainda realizaremos tendem e resumem-se a isto: pôr um instrumento nas mãos do criador dramático, criar para ele uma cena livre, que ele possa usar livremente, diretamente, com um mínimo de intermediários.<br /><br />Atualmente, é rigorosamente verdadeiro dizer que o criador dramático é um intruso no teatro, que tudo se opõe à sua concepção, ao seu esforço, à sua própria existência. Ali onde ele é escravo, é necessário que seja o mestre. Pois ele é o único mestre. E, sem ele, o teatro está hoje sem mestre.<br /><br />1940. (3)<br /><br />1. Excertos das "Reflexões de um ator sobre o Paradoxo de Diderot" (ed. Plon, 1928). [volta]<br /><br />2. Excerto de um "Discurso ao Público" de J. Copeau, Genebra, 1923. Idem, ibidem. [volta]<br /><br />3. Anotação datada de 1940. Idem, ibidem. [volta]<br /><br />In Registres I - Appels, éditions Gallimard, Paris, 1974, pág. 205-215. Tradução de Roberto Mallet.</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-48882711380738775282008-05-21T18:16:00.000-07:002008-05-21T18:17:55.612-07:00ESSÊNCIA DO TEATRO<div align="justify">ESSÊNCIA DO TEATRO<br />Henri Gouhier<br /><br /><br /> No início de sua Poética, Aristóteles distingue a tragédia e a comédia da epopéia: são três artes de imitação, mas a última imita narrando, as duas outras "apresentando a todos os imitados como operantes e atuantes." (1) "Daí sustentarem alguns que esses poemas se denominam dramas, drámata, porque imitam pessoas que agem, dróntas" (2).<br /><br /> A "imitação" de um homem agindo só pode ser uma representação, quer dizer, uma ação tornada presente. (3)<br /><br /> Na representação, há presença e presente: essa dupla relação com a existência e com o tempo constitui a essência do teatro.<br /><br /> Relação com a existência: aquele que entra em cena não é o representante de uma personalidade, o delegado de um ausente: ele representa uma personagem, transformando uma sombra em realidade. O embaixador não é o soberano que ele representa: ele empresta-lhe a sua voz. O ator é o imperador que ele representa: ele empresta-lhe seu ser.<br /><br /> Relação com o tempo: toda existência é atual, toda presença real é realidade presente; aquele que entra em cena e aquele que está sentado na platéia são contemporâneos: eles vivem ao mesmo tempo, senão no mesmo tempo.<br /><br /> Um quadro, uma estátua, um romance, um poema são sempre intermediários entre uma ação vivida ou imaginada e aquele que vê ou lê; eles são sempre monumentos, monumenta ou monimenta, recordações de um encontro entre o artista e o ato do qual ele quer realizar uma forma. Quando Eugène Delacroix desenha ou pinta Hamlet no cemitério de Elsinore, empunhando o crânio daquele que foi o bufão do rei - Ah, pobre Yorick! - ele fixa uma cena, uma alma, uma filosofia em preto e branco, testemunho imóvel de seu encontro com esse pensamento de Shakespeare que se chama Hamlet. A Tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, corresponde a uma intenção completamente diferente: esses cinco atos são ações em busca de atores que as atualizem.<br /><br /> Atualização de ação através de atores... A música, também ela, é um texto sobre o papel que aguarda do músico ou do cantor uma atualização que lhe restitua sua matéria sonora. Mas, como o quadro ou o poema, a música continua sendo um intermediário: o canto não é o ato, o executante não é o ator. A Sinfonia Fantástica, "episódio da vida de um artista", é apenas o "reflexo melódico" (4) do drama em que Berlioz se envolveu tomando Harriett Smithson por Ofélia. Por mais alucinante que seja o lied do Rei das almas, Schubert continua sendo um contista, e seu intérprete um narrador. No teatro, é a própria ação que se deve repetir. Não se trata de executar mas de ressuscitar. Imaginemos um concerto onde se executa a partitura do segundo ato de Tristão; os cantores levantam-se no momento exigido por seu papel; eles dizem suas falas olhando para o público ou para o caderno; a música é realizada, não a ação; e assim a música diz muito mais do que a cena pode mostrar. O concerto faz renascer uma música e, através dela, evoca um drama: ele não ressuscita os seres com seu drama. [veja o que foi dito na nota 3]<br /><br /><br />*<br /><br /> Representar é tornar presente através de presenças.<br /><br /> O "fato dramático" é portanto o ator. Não há teatro sem poeta, mas há poesia sem teatro: a arte do ator e o texto teatral vem um para o outro e um do outro. O autor está em tudo aquilo onde criar não é representar: somente o ator está sobre a cena, e ele não pode estar em nenhum outro lugar.<br /><br /> Com o ator, o mistério do teatro é o da presença real, antes mesmo de ser o da metamorfose. Mistério profano do qual uma experiência cotidiana revela-nos os efeitos, pois ela justifica a superioridade ou a inferioridade, segundo os casos, da conversação sobre a correspondência, da questão oral sobre o exame escrito.<br /><br /> Estou diante de um homem. Afirmo que ele é alto, magro e moreno; mas eu quase não intervenho para afirmar que ele está lá: sua presença afirma-se em mim. Eu o conheço como alto, magro e moreno; eu o conheço também como existente e presente: mas os dois conhecimentos são bem diferentes. O primeiro é um saber detalhado e progressivo; descubro pouco a pouco o que é esse homem, e depois quem é esse homem. O segundo é uno e instantâneo: esse homem está lá, nada mais, nada menos. Eu posso consignar um saber: descrevo o homem que está diante de mim; posso transmitir meu saber: as memórias estão cheias de "retratos". Esse homem está lá: que mais dizer? Sua presença será simplesmente o objeto de uma informação.<br /><br /> O pensamento não passa de um conhecimento de um outro por graus, mas por uma inversão é preciso voltar-se para o concreto cru. A inteligência abstrai do real suas qualidades, que ela restituir-lhe-á sob a forma de atributos no julgamento. Quando ela o tenha esvaziado de todas as suas qualidades, ela não poderia separar a existência do existente: a abstração não pode mais abocanhar. (5) A existência não pode ser atributo, pois ela é o lugar dos atributos; ela não pode ser uma propriedade, pois ela é o proprietário: resta apenas sofrer sua presença.<br /><br /> Tal conhecimento não é uma sensação, pois ele não é especificamente nem visual, nem tátil, nem auditivo: ele não é próprio de nenhum sentido, embora cada percepção lhe deva sua consistência. Ele também não é um sentimento, se com essa palavra designamos uma afeição do sujeito que se sente feliz, descontente ou triste. "Intuição" também não convém (6): uma intuição que não se refere ao eu do sujeito visa um objeto; ora, a existência não é jamais um objeto; ela é aquilo que há de objetivo no objeto: uma espessura sem contornos, uma opacidade sem formas, uma música sem linhas, são abstrações desesperadas para designar aquilo que o objeto não deixará jamais que se colha nele. O melhor termo é sem dúvida o que propôs um dia M. Gabriel Marcel: a realidade nos é dada em uma certeza (7), certeza contínua e potente como o baixo que sustenta um canto, certeza que me permite avançar sem medo de cair no vazio.<br /><br /> O dado imediato da presença é também um dom. Uma vez que ele está lá, eu sei que desse homem aquilo que nenhum documento, nenhuma descrição e nenhuma fotografia me dirá. Um conhecimento à distância freqüentemente é mais completo e mais exato; o biógrafo às vezes compreende seu herói melhor do que o fizeram os mais sutis de seus contemporâneos. Mas o recuo aproveita ao saber e, ainda uma vez, da presença não emana nenhum saber: ela cria antes uma espécie de cumplicidade propícia aos olhares indiscretos. Esse homem está em meu universo; eu estou no seu: a vida obriga-me a simplificar e eu concluo logo que nós estamos no mesmo; ei-nos aqui, por um instante, juntos no mesmo barco e é preciso que façamos um acordo entre nossas prudências. Ora, essa familiaridade gera uma sagacidade mais viva e mais perspicaz que a reflexão, senão mais justa, sagacidade que dispensa de terminar as frases, que permite comunicar sem palavras, que lê nos olhos e corrige as mentiras da boca através do imperceptível tremor de uma mão.<br /><br /> Graça da presença... Graça da adivinhação e não graça da luz, socorro do diretor de consciência, fina seta do diagnóstico médico, força dos verdadeiros chefes. Captá-la, este é o milagre do retrato; atualizá-la, este é o segredo do conferencista; colocá-la como princípio de uma arte, esta é a essência do teatro.<br /><br /><br /><br />(1) Para as citações utilizei a tradução espanhola de Valentín García Yebra, na edição trilíngüe da Poética de Aristóteles da Editorial Gredos S.A., Madri, 1974. As citações em grego, no texto de Gouhier, utilizam o alfabeto grego - preferimos colocá-las aqui transliteradas. (N.d.T.)<br /><br />(2) 1448a, 23-24. Aristóteles insiste freqüentemente sobre o fato que o teatro imita pessoas em ação - 1449b, 26, 32 e 37; 1450a, 16-17: "A tragédia é imitação não de pessoas, mas de uma ação e de uma vida"; 1450b, 3-4. Sua análise refere-se à tragédia, uma vez que a análise da comédia estava na parte da obra que foi perdida; mas, se colocarmos entre parênteses o que concerne apenas à tragédia, permanecem algumas proposições que convêm às diversas formas de teatro.<br /> Duas causas naturais determinam as ações: o caráter e o pensamento. A ação teatral é a de personagens que possuem este ou aquele caráter, estes ou aqueles pensamentos. Portanto, "chamo fábula, mítos, à composição dos atos, e caracteres, tô éthos, àquilo que nos faz dizer que os que agem têm esta ou aquela qualidade, e pensamento, ê diánoia, a tudo aquilo em que, ao falar, manifestam algo ou então declaram sua decisão". Eis portanto três partes na obra. Ora, a mais importante é a ação. Com efeito, sem a ação não poderia haver tragédia; mas há tragédias sem caracteres e uma fábula tocante é preferível a tiradas morais, por mais elaboradas que sejam. "A fábula é o princípio e como que a alma da tragédia." Primado da ação sobre a psicologia e as idéias, tal é a pura doutrina aristotélica (Resumo aqui 1450a até b).<br /> À fábula, aos caracteres e aos pensamentos, Aristóteles acrescenta uma quarta parte: a elocução ou estilo, interpretação em prosa ou em verso daquilo que as personagens têm no espírito. Mas, uma vez que se trata de personagens que agem e não de um narrador, uma quinta parte será o espetáculo, ópsis, ou melhor: ô tés opseos kósmos, "a organização do espetáculo", 1449b, 33-34.<br /> A organização do espetáculo não é obra do poeta enquanto poeta. Ela provém de uma técnica que não encontra suas regras em uma Arte poética, "Para a encenação, peri tén apergasían ton ópseon, a arte do homem que fabrica os acessórios, e tou skeuopoiou tékne, é mais importante que a do poeta", 1450b, 18-24.<br /> "O homem que fabrica os acessórios" não é aliás o único técnico que intervém ao lado do poeta. A linguagem de tragédia é "ornamentada", edusménos lógos; os "ornamentos" são o ritmo, a harmonia e o canto; o mais importante é o último, 1449b, 25 e 28, 1450b, 16.<br /><br /> (3) Na interpretação desse texto e do que se segue, não devemos esquecer - e Gouhier não o enfatiza suficientemente, criando mesmo uma certa confusão em torno do assunto -, não devemos esquecer que a ação é "tornada presente" pelo ator num campo puramente ficcional. É apenas em nossa imaginação que o ator empresta seu ser à personagem. A ação do ator (intérprete, executante) não identifica-se com a ação da personagem.<br /><br /> (4) Adolphe Boschot, A juventude de um romântico, Hector Berlioz (1803-1831), Paris, Plon, 1906, pág. 385; ver todo o capítulo XII, 1830, A Fantástica.<br /><br /> (5) Aqui Gouhier novamente embaralha-se na sua exposição. A existência, como os atributos, pode ser abstraída (senão o que o autor quereria dizer com essa palavra?). E se os atributos e propriedade não podem existir por si mesmo, também a existência não pode se dar sem nenhum atributo ou propriedade. O que nos parece que ele quer dizer é que é só aquilo que existe concretamente pode ser uma presença. Mas há uma presença da música, ou do quadro, ou do edifício arquitetônico. O que distingue a presença no teatro é que é a presença de alguém - o ator é uma pessoa, o ator é um homem. (N.d.T.)<br /><br /> (6) Na verdade "intuição" é o termo que convém - intuição intelectual. É a inteligência que olha e, intuitivamente, sem apelo direto à razão ou a qualquer outra faculdade, sabe que ele está lá, que ele existe. A certeza de Marcel, que o autor evoca algumas linhas abaixo, dá-se exatamente na inteligência através de uma intuição. Do contrário a certeza da existência desse homem seria a conclusão de um raciocínio, uma dedução realizada a partir dos dados captados pelos sentidos (dos atributos e propriedades).<br /><br /> (7) Gabriel Marcel, Position et approches concrètes du mystère ontologique, texto que se segue a Le monde cassé, Paris, Desclée de Brouwer, 1933, pág. 275.<br /><br /> In "L´Essence du Théâtre", Henri Gouhier, Librairie Plon, Paris, 1943, págs. 1-7. Tradução de Roberto Mallet.<br /><br /><br /> Fonte: Grupo Tempo</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-30824266096490880012008-05-21T18:14:00.000-07:002008-05-21T18:15:07.410-07:00EXERCÍCIOS<div align="justify">Sugestões "Interpalco"<br /><br />O Método<br /><br />Com a chegada do Teatro de Arte de Moscou sob a supervisão direta de Konstantin Stanislavsky, este novo método de interpretação espalhou-se pelo mundo. Uma boa parte dele permaneceu igual a como ele ensinava. Outra foi abandonada, modificada ou ampliada para suprir necessidades de uma sociedade em mudança. Mas, basicamente seu sistema tem sobrevivido intacto a quase todos os abusos feitos. Até sua ênfase na realidade, na beleza da natureza, na dignidade da vida foram criticadas como vulgaridades simplesmente porque a verdade foi levada ao palco. Houve cultos professores universitários de teatro que rejeitaram seus ensinamentos: instrutores, professores de teatro e outros que deturparam e deformaram seus significados para satisfazer suas próprias vontades. Atores também têm rejeitado Stanislavsky ao aderir a uma forma exagerada de interpretação. Mas a verdade é uma adversária terrível porque a natureza está do seu lado.<br /><br />Muitos atores negam que suas representações sejam exageradas porque tentam evitar seu método. No entanto, não percebem que o esforço para ser eficiente ou agradar facilmente, leva a um comportamento errado no palco. Isto é só um outro exemplo da necessidade de auto-consciência.<br /><br />Com esta consciência, o ator percebe que o exagero e a grandiosidade são, na maioria dos casos, erros.<br /><br />Como nós aprendemos com a experiência (e através do processo de eliminação), o próximo problema que temos pela frente é exatamente o oposto, não deixando de ser outro tipo de exagero: representar de forma atenuada, minimizando a realidade.<br /><br />Os atores do Método também tornam-se vítimas deste defeito durante treinamento. Exagerar qualquer coisa no palco tornou-se um pecado tão sério para os seguidores do Método que muitas vezes somos obrigados a “nos contentar em ser natural” ao invés de dar vazão às expressões, mesmo que elas estejam totalmente em harmonia com a realidade da situação. Isto é tão errado quanto exagerar.<br /><br />Portanto, uma fala lida com naturalidade e simplicidade, está mais de acordo com a realidade do que o risco de forçar uma emoção que pode soar falso. Os méritos da verdade devem ser nossa meta. Nem mais, nem menos.<br /><br />A forma de representar que acabamos de discutir é chamada atuação exagerada, mas este termo é contraditório em virtude da definição da representação para o ator moderno. Representar é alcançar a realidade no palco, exagerar seria negá-la. Representar de modo exagerado inclui a utilização de gestos e expressões vocais convencionais. Se a vida interior do personagem está ausente, o ator acabará recorrendo a tais clichês. O problema de exagerar é que o ator pode facilmente convencer-se de que está “vivendo mesmo” o seu personagem.<br /><br />Quando um ator prepara seu papel corretamente, ele transforma-se naquele personagem no palco. Claro que não deve deixar de ser ele mesmo, mas também é necessário que deixe de ser como é para seus amigos e família.<br /><br />Todo o seu êxito na realização plena da sua caracterização reside na sua confiança, na realidade da sua própria expressão pessoal individual em oposição aos tipos de expressões clichês. O ator que conta com os dons naturais e com sua própria individualidade é um artista criativo. Aquele que não for treinado a usar sua expressão individual e não conseguir utilizar a si mesmo para ser o personagem que está interpretando, está preso e limitado ao convencionalismo. A sua voz raramente recorrerá a tons e modulações , ele vai sacudir os punhos, bater na testa, mover os olhos de forma falsa, apertar os dentes, fazer caretas, esbravejar, colocar a mão no coração, e recitar sem emoção.Imitar este estilo convencional de representação que, infelizmente tornou-se quase uma tradição, é ridículo. É certo que existem atores que freqüentemente exageram com perfeita habilidade. E estes mesmos são os que sempre exclamam que os momentos primorosos de pura criação e satisfação artística no teatro vieram daquelas raras vezes que sentiram-se “inspirados” no papel e pareciam “viver” o personagem.<br /><br />Seria muito mais gratificante para os seus espíritos criativos como artistas se eles pudessem treinar seus mecanismos para criar estes impulsos sempre!<br /><br />O melhor que um ator pode aprender com uma representação pouco inspirada é a certeza que, quando ocorrem momentos de verdadeira inspiração na peça, todos os outros momentos provavelmente foram falsos! Acredito firmemente que a natureza é uma força insuperável que não pode ser eternamente reprimida mas, em vez disto, irromperá esporadicamente dando rédeas soltas à verdade, apesar de nossas vulgaridades. Além disso, é um indício, em grande parte, de que nossa sociedade não segue automaticamente as leis naturais mas, ao contrário, tentamos e quase sempre conseguimos reprimi-las ou mudá-las. O ator que desejar atingir um talento artístico verdadeiro na sua profissão deve literalmente lutar pela verdade de suas convicções por toda sua vida, tanto no palco quanto fora dele. Ele não deve desistir até conseguir trazer ao palco o que todo ser humano produz naturalmente na vida.<br /><br />Fonte: Interpalco</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-58804703704765676122008-05-21T18:12:00.002-07:002008-05-21T18:16:36.915-07:00O ATOR<div align="justify">O ATOR<br />Patrice Pavis<br /><br />A análise do espetáculo deveria começar pela descrição do ator, pois este está no centro da encenação e tende a reduzir a si o resto da representação. Trata-se, porém, do elemento mais difícil de apreender. Antes de pretender analisar o jogo, deve-se começar por propor uma teoria do ator.<br /><br /><br /><br />1. O trabalho do ator<br /><br /><br />1.1. A abordagem por uma teoria das emoções<br /><br /><br />De que precisamos para descrever o trabalho do ator? Precisamos realmente partir de uma teoria das emoções, como tenderia a sugerir a história do jogo do ator moderno, de Diderot a Stanislavski e Strasberg? Tal teoria das emoções aplicada ao teatro só valeria, no máximo, para um tipo muito localizado de ator: o do teatro da mimese psicológica e da tradição da retórica das paixões. Em contrapartida, teríamos a maior necessidade de uma teoria da significação e da encenação global, onde a representação mimética dos sentimentos é apenas um aspecto entre muitos outros. Ao lado das emoções, aliás muito difíceis de decifrar e de anotar, o ator-dançarino se caracteriza por suas sensações cinestésicas, sua consciência do eixo e do peso do corpo, do esquema corporal, do lugar de seus companheiros no espaço- tempo: eis parâmetros que não têm a fragilidade das emoções e que poderíamos assinalar com maior facilidade.<br /><br />No teatro, as emoções dos atores não têm que ser reais ou vividas. Antes de mais nada, devem ser visíveis, legíveis e conformes com convenções de representação dos sentimentos. Essas convenções são ora as da teoria da verossimilhança psicológica do momento, ora as de uma tradição de jogo que codificou os sentimentos e a representação deles. A experiência emocional do ser humano, que reúne os traços comportamentais por meio dos quais a emoção se revela (sorrisos, choros, mímicas, atitudes, posturas), encontra no teatro uma série de emoções padronizadas e codificadas, que figuram comportamentos identificáveis. Estes, por sua vez, geram situações psicológicas e dramáticas que formam o arcabouço da representação. No teatro, as emoções são sempre manifestadas graças a uma retórica do corpo e dos gestos onde a expressão emocional é sistematizada, e até mesmo codificada. Quanto mais as emoções são traduzidas em atitudes ou em ações físicas, tanto mais elas se liberam das sutilezas psicológicas do indizível e da sugestão.<br /><br />A teoria das emoções é por si só insuficiente para esperar descrever o trabalho do dançarino e do ator, e é necessário um quadro teórico totalmente diferente que ultrapasse em muito o da psicologia. Aliás, a partir do momento em que o estudo do ator se abriu para os espetáculos extra-europeus, logo se ultrapassou a teoria psicológica das emoções, que vale no máximo para as formas teatrais que imitam os comportamentos humanos, sobretudo verbais, de maneira mimética, como a encenação naturalista.<br /><br /><br /><br />1.2. Uma teoria global do ator<br /><br /><br />Será possível uma teoria do ator? Nada é menos certo, pois se pensamos saber em que consiste a tarefa do ator, temos bastante dificuldade em descrever e perceber o que ele faz precisamente, em compreender não simplesmente com os olhos, mas, como pede Zeami, com o espírito. Mal podemos dizer que ele parece falar e agir não mais em seu próprio nome, mas em nome de uma personagem que ele faz de conta ser ou imitar. Mas como é que ele procede, como realiza todas essas ações, e que sentidos produzem elas para o espectador? Bem temerária e ambiciosa seria a teoria que pretendesse englobar todas essas atividades de jogo e de produção do sentido, pois a ação do ator é comparável à do ser humano em situação normal, mas tendo, além disso, o parâmetro da ficção, do "como se" da representação. O ator situa-se no âmago do acontecimento teatral: é o vínculo vivo entre o texto do autor (diálogos ou indicações cênicas), as diretivas do encenador e a escuta atenta do espectador; ele é o ponto de passagem de toda e qualquer descrição do espetáculo.<br /><br />Paradoxalmente, seria mais fácil basear a teoria do ator não a limitando à do ator ocidental, mas incluindo nela a do ator-cantor-dançarino de tradições e culturas extra- européias. Para essas tradições, a habilidade do ator é muito mais técnica, quer dizer mais facilmente descritível e estritamente limitada a formas codificadas e repetíveis que nada devem à improvisação ou à livre expressão. Nada comparável com o ator da tradição ocidental psicológica, o qual não adquiriu todas essas técnicas gestuais, vocais, musicais, coreográficas e se confinou a um gênero preciso: o teatro de texto falado. O ator ocidental parece sobretudo querer dar a ilusão de que encarna um indivíduo cujo papel lhe foi confiado numa história onde ele intervém como um dos protagonistas da ação. Daí a dificuldade em descrever o jogo ocidental, pois as convenções tentam negar-se a si mesmas; dificuldade também de esboçar uma teoria da sua prática, partindo do ponto de vista do observador (espectador e/ou teórico) e não do ponto de vista da experiência subjetiva do ator. Que faz o ator em cena? Como se prepara para a sua atividade artística? Como transmite ao espectador uma série de orientações ou de impulsos para o sentido? Não faremos aqui uma história do ator através dos tempos - aliás, isso ainda está por ser feito -, mas nos limitaremos a algumas observações sobre a metodologia da análise do ator contemporâneo ocidental, que não se deve, porém, limitar ao ator naturalista ou ao do Método, inspirado por Stanislavski e Strasberg. De fato, o ator não imita necessariamente uma pessoa real: ele pode sugerir ações por algumas convenções ou por um relato verbal ou gestual.<br /><br />Precisaríamos primeiro estabelecer a partir de quando o ser humano está em situação de ator, em que consistem os traços característicos do seu jogo. O ator se constitui enquanto tal desde que um espectador, a saber um observador exterior, o olha e o considera como "extraído" da realidade ambiente e portador de uma situação, de um papel, de uma atividade fictícios ou pelo menos distintos da sua própria realidade de referência. Não basta, porém, que tal observador decida que tal pessoa representa uma cena e, portanto, que é um ator (estaríamos então no que Boal chama de "teatro invisível"): é preciso também que o observado tenha consciência de representar um papel para o seu observador, e que a situação teatral fique, assim, claramente definida. Quando a convenção se estabelece, tudo o que o observado faz e diz já não é considerado como verdade indiscutível, mas como ação ficcional que só tem sentido e verdade no mundo possível onde o observado e o observador concordam em situar-se. Assim fazendo, definindo o jogo como uma convenção ficcional, estamos no caso do ator ocidental que brinca de ser um outro; ao contrário, o performer oriental (1) (o ator-cantor-dançarino) que canta, dança ou recita, realiza essas ações reais enquanto ele mesmo, enquanto performer, e não enquanto personagem que faz de conta que é um outro fazendo-se passar como tal para o espectador. Empregamos cada vez mais o termo performer para insistir na ação realizada pelo ator, em oposição à representação mimética de um papel. O performer é primeiramente aquele que está física e psiquicamente presente diante do espectador.<br /><br /><br /><br />1.3. Os componentes e as etapas do trabalho do ator<br /><br /><br />O ator ocidental - e mais precisamente o ator da tradição psicológica - estabelece o papel sistematicamente: "compõe" uma partitura vocal e gestual em que se inscrevem todos os indícios comportamentais, verbais e extraverbais, o que dá ao espectador a ilusão de ser confrontado com uma pessoa de verdade. Não só ele empresta o seu corpo, a sua aparência, a sua voz, a sua afetividade, mas - pelo menos para o ator naturalista - ele se faz passar por uma pessoa de verdade, semelhante àquela de que nos aproximamos quotidianamente, com quem podemos identificar-nos, tanto encontramos nela impressões de semelhança com o que sabemos de nosso caráter, de nossa experiência do mundo, das emoções e dos valores morais e filosóficos. Logo esquecemos de que estamos enganando a nós mesmos, construindo uma totalidade a partir de poucos indícios: esquecemos a técnica do ator, identificamo-nos com a personagem e mergulhamos no universo que ela representa. No entanto, o ator cumpre um trabalho bem preciso cuja complexidade nem sempre se imagina. Também não é fácil distinguir, como fazem Stanislavski e Strasberg, o trabalho sobre si mesmo e o trabalho sobre o papel. Enquanto o trabalho sobre si - a saber, essencialmente o trabalho sobre as emoções e sobre o aspecto exterior do ator - está no centro dos escritos de ambos, o trabalho sobre o papel, que determina toda uma reflexão dramatúrgica, fica bastante descuidado, vem sempre depois de uma preparação psicológica: o trabalho sobre o papel não deve começar antes de o ator ter adquirido os meios técnicos para realizar as suas intenções. Na realidade, há antes um ir e vir constante entre si mesmo e o papel, entre o ator e a sua personagem. O trabalho do ator sobre si mesmo compreende as técnicas de relaxamento, concentração, memória sensorial e afetiva, assim como o treinamento da voz e do corpo. Em suma: tudo o que é um prelúdio para a figuração de um papel.<br /><br /><br />Os indícios da presença<br /><br /><br />O primeiro "trabalho" do ator, que não é um trabalho, propriamente falando, é o de estar presente, o de situar-se aqui e agora para o público, como um ser vivo que se dá "diretamente", "ao vivo", sem intermediários. Dizem muitas vezes que os grandes atores têm antes de mais nada uma presença que é um dom do céu e que os diferencia dos necessitados. Talvez! Mas será que por definição todo e qualquer ator presente diante de mim não manifesta uma presença inalienável? É uma marca do ator de teatro que eu o perceba "primeiro" como materialidade presente, como "objeto" real pertencente ao mundo exterior e que depois eu o imagine num universo ficcional, como se não estivesse lá diante de mim, mas na corte do rei Luís XIV (se for de O Misantropo que estivermos falando). O ator de teatro tem, portanto, um estatuto duplo: ele é pessoa real, presente, e, ao mesmo tempo, personagem imaginário, ausente ou pelo menos situado numa "outra cena". Descrever essa presença é a coisa mais difícil que existe, pois os indícios escapam a qualquer apreensão objetiva e o "corpo místico" do ator se oferece e se retrai logo em seguida. Daí todos os discursos mistificadores sobre a presença de tal ou qual ator, discursos que são, na realidade, normativos ("este ator é bom, aquele não o é"). (2)<br /><br /><br />A relação com o papel<br /><br /><br />A sua segunda tarefa é "permanecer na personagem", e, para o ator naturalista, manter o jogo, não quebrar a ilusão de que ele é essa pessoa complexa em cuja existência devemos acreditar. Isso requer uma concentração e uma atenção em todos os instantes, seja qual for a convicção íntima do ator quanto a ele ser a sua personagem ou seja qual for a sua técnica para dar-lhe simplesmente a imagem exterior. Ele pode, de fato, identificar-se com o papel por todos os tipos de técnicas de autopersuasão, seja enganar o mundo exterior fazendo de conta que é um outro, seja tomar suas distâncias com relação ao papel, citá-lo, zombar dele, sair dele ou nele entrar à vontade. Seja como for, sempre deve ser mestre da codificação escolhida e das convenções de jogo que aceitou. A descrição do jogo obriga a observar e a justificar a evolução do vínculo do ator com a sua personagem.<br /><br /><br />A dicção<br /><br /><br />A dicção de um texto eventual é apenas um caso particular dessa estratégia comportamental: ora se torna verossímil, submetida à mimese e às maneiras de falar do meio em que se situa a ação, ora desconectada de qualquer mimetismo e organizada em um sistema fonológico, retórico, prosódico que possua suas regras próprias e não procure produzir efeitos de real copiando maneiras autênticas de falar.<br /><br /><br />O ator na encenação<br /><br /><br />Graças ao controle do comportamento e da dicção, o ator imagina possíveis situações de enunciação onde o seu texto e suas ações adquirem um sentido. Essas situações, no mais das vezes, são apenas sugeridas por alguns indícios que esclarecem a cena e o papel. É a responsabilidade do encenador, mas também do ator, decidir que indícios serão escolhidos. Somente o ator sabe (mais ou menos) que escala os seus indícios gestuais, faciais ou vocais possuem, se os espectadores são capazes de percebê-los, e que significações ele poderia atribuir a eles. Na "posse" dos seus signos, é preciso que seja ao mesmo tempo suficientemente claro para ser percebido e sutil para ser diferenciado ou ambíguo. Neste sentido, a teoria do ator inscreve-se numa teoria da encenação, e, de modo mais geral, da recepção teatral e da produção do sentido: o trabalho do ator sobre si mesmo, em particular sobre as suas emoções, só tem sentido na perspectiva do olhar do outro, portanto do espectador que deve ser capaz de ler os indícios fisicamente visíveis da personagem assumida pelo ator.<br /><br /><br />Gestão e leitura das emoções<br /><br /><br />O ator sabe administrar as suas emoções e fazer com que sejam lidas. Nada o obriga a sentir realmente os sentimentos da sua personagem e se toda uma parte da sua formação consiste, desde Stanislavski e Strasberg, em cultivar a memória sensorial e emocional para melhor encontrar, prontamente e com segurança, um estado psicológico sugerido pela situação dramática, trata-se apenas de uma opção entre muitas outras - a mais "ocidental", mas não necessariamente a mais interessante. Aliás, mesmo o ator do "Sistema" stanislavskiano ou do "Método" strasberguiano não utilizam os seus próprios sentimentos tais quais para representar a personagem, à maneira do ator romano Polus que usou as cinzas do seu próprio filho para representar o papel de Electra portando a urna de Orestes. É igualmente tão importante para o ator saber fingir e reproduzir friamente as próprias emoções, quando mais não fosse para não depender da espontaneidade, pois, como nota Strasberg, "o problema fundamental da técnica do ator está na não contabilidade das emoções espontâneas". Mais do que um controle interior das emoções, o que conta para o ator, em última análise, é a legibilidade, pelo espectador, das emoções que o ator interpreta. Não é necessário que o espectador encontre o mesmo tipo de emoções que na realidade; portanto, não é necessário que o ator se entregue a uma expressão quase "involuntária" de suas emoções. Na verdade, às vezes as emoções são codificadas, repertoriadas e catalogadas num estilo de jogo: assim ocorre no jogo melodramático, no século XIX, assim nas atitudes retóricas da tragédia clássica ou em tradições extra-européias (por exemplo, a dança indiana Odissi). Às vezes, os mimos ocidentais (Decroux, Marceau, Lecoq) tentaram codificar as emoções auxiliados por um tipo de movimento ou de atitude. Segundo Jacques Lecoq, "cada estado passional se encontra num movimento comum: o orgulho sobe, o ciúme obliqua e se esconde, a vergonha se abaixa, a vaidade gira".<br /><br /><br />Na prática contemporânea, desde Meyerhold e Artaud até Grotowski e Barba, o ator dá a ler diretamente emoções já traduzidas em ações físicas cuja combinatória forma a própria fábula. As emoções já não são, para ele, como na realidade afetiva, uma "perturbação súbita e passageira, ‘ gancho' na trajetória da vida quotidiana": são movimentações, motions físicas e mentais que o motivam na dinâmica do seu jogo, o espaço-tempo-ação da fábula onde ele se inscreve. Mais do que se entregar (para o ator como para o espectador ou para o teórico) a profundas introspecções sobre o que sente ou não sente o ator, é preferível, portanto, partir da formalização, da codificação dos conteúdos emocionais. De fato, é mais fácil observar o que o ator faz do seu papel, como ele o cria e se situa em relação a ele. Pois o ator é "um poeta que escreve sobre a areia (...) Como um escritor, ele extrai dele mesmo, da sua memória, a maestria da sua arte, ele compõe uma história segundo a personagem fictícia proposta pelo texto. Mestre de um jogo de engodos, ele acrescenta e diminui, oferece e retira; esculpe no ar o seu corpo movente e a sua voz mutável".<br /><br />Na prática teatral contemporânea, o ator já nem sempre remete a uma personagem de verdade, a um indivíduo que forma um todo, a uma série de emoções. Ele já não significa por simples transposição e imitação: constrói as suas significações a partir de elementos isolados que pede emprestados a partes do seu corpo (neutralizando todo o restante): mãos que mimam toda uma ação; boca unicamente iluminada, excluindo todo o corpo; voz do contador que propõe histórias e representa alternadamente vários papéis.<br /><br />Assim como para a psicanálise o sujeito é um sujeito "esburacado", intermitente, com "responsabilidade limitada", assim também o ator contemporâneo já não é encarregado de mimar um indivíduo inalienável; já não é um simulador, mas um estimulador, ele "performa" de preferência as suas insuficiências, as suas ausências, a sua multiplicidade. Também já não é obrigado a representar uma personagem ou uma ação de maneira global e mimética, como uma réplica da realidade. Em suma, ele foi reconstituído no seu oficio pré-naturalista. Ele pode sugerir a realidade por uma série de convenções que serão percebidas e identificadas pelo espectador. O performer, contrariamente ao ator, não representa um papel: ele age em seu próprio nome. (3)<br /><br />Aliás, é raro, para não dizer impossível, que o ator esteja inteiramente no seu papel, a ponto de fazer esquecer que ele é um artista que representa uma personagem e que constrói, assim, um artefato. Mesmo o ator segundo Stanislavski não faz esquecer que representa, que está engajado numa ficção e que constrói um papel, e não um ser humano de verdade, como Frankenstein. Num palco, o ator nunca se permite esquecer enquanto artista-produtor, pois a produção do espetáculo faz parte do espetáculo e do prazer do espectador (sempre estou consciente de que estou no teatro e de que percebo um ator, portanto um artista, um ser artificialmente construído).<br /><br /><br />Identificação ou distância<br /><br /><br />Muitas vezes o ator procura identificar-se com o seu papel: mil pequenas artimanhas servem para ele se persuadir de que é essa personagem de que o texto lhe fala e que ele deve encarnar para o mundo exterior. Ele faz de conta que acredita que a sua personagem é uma totalidade, um ser semelhante aos da realidade, quando na verdade ele só é composto de magros indícios que ele e o espectador devem completar e suprir para produzir a ilusão de ser uma pessoa. Às vezes, ao contrário, ele indica por uma ruptura de jogo que a manobra não o engana e ocorre que dê um depoimento pessoal sobre a personagem que supostamente está representando.<br /><br /><br /><br />1.4 Métodos de análise do jogo do ator<br /><br /><br />Para contrabalançar a visão metafísica, e até mística, do ator (e todos os discursos mistificantes que o acompanham, sobretudo na literatura jornalística sobre "a vida dos atores"), para ultrapassar o debate estéril sobre o "reviver" ou o "fingir", só existiriam áridas análises técnicas do jogo do ator. Sendo ainda pouco elaborados os instrumentos de análise, nós nos limitaremos a sugerir algumas pistas possíveis para a pesquisa futura.<br /><br />As categorias históricas ou estéticas<br /><br /><br />Cada época histórica tende a desenvolver uma estética normativa que se define por contraste com as anteriores e propõe uma série de critérios bastante claros. Torna-se tentador, então, descrever uma série de estilos: romântico, naturalista, simbolista, realista, expressionista, épico, etc. O espectador moderno dispõe, muitas vezes, de uma grade histórica rudimentar que o ajuda a identificar, por exemplo, jogo "naturalista", brechtiano, artaudiano, do actor's studio ou grotowskiano. Momentos históricos e escolas de jogo são, assim, assimilados a categorias estéticas muito aproximativas. O interesse dessas categorizações é de não segmentar, separar o estudo do ator de todo o seu ambiente estético ou sociológico. O ator naturalista, por exemplo, o da época de Zola ou Antoine, será descrito a partir de uma teoria do meio, de uma estética do verossímil e dos fatos verdadeiros, de acordo com a ideologia e a estética determinista e naturalista. Muitas vezes, porém, a análise permanece superficial, e tautológica: é ator naturalista, dizem-nos freqüentemente, aquele que evolui num universo naturalista... Semelhante tautologia não esclarece em nada os gestos especificamente naturalistas e os procedimentos do jogo psicológico.<br /><br />Melhor seria tentar uma hipótese sobre um modelo cultural que distingue no tempo e no espaço diversas maneiras de conceber o corpo e de se prestar a diferentes modos de significação.<br /><br /><br />As descrições semiológicas<br /><br /><br />Elas dizem respeito a todos os componentes do jogo do ator: gestualidade, voz, ritmo da dicção e das marcações. É precisamente a determinação desses componentes e, portanto, a decupagem em sistemas que são problemáticos e não são evidentes, pois não é, nessa matéria, decupagem e tipologia objetiva e universal. Cada campo recorre às semiologias setoriais existentes para extrair os grandes princípios da sua organização. A dificuldade reside, porém, em não fragmentar o desempenho do ator em especialidades demasiado estreitas, perdendo assim de vista a globalidade da significação: tal gestual só tem sentido em relação a uma marcação, a um tipo de dicção, a um ritmo, sem falar do conjunto da cena e da cenografia de que ele faz parte. Devemos, portanto, procurar desenvolver uma decupagem em unidades que preservem coerência e globalidade. Em vez de uma separação entre gesto e texto, ou gesto e voz, nós nos esforçaremos por distinguir macro-seqüências dentro das quais os diversos elementos se reúnem, se reforçam ou se distanciam, formando um conjunto coerente e pertinente, suscetível depois de combinar-se com outros conjuntos. Poderemos também considerar o ator como o realizador de uma montagem (no sentido filmico do termo), já que ele compõe o seu papel a partir de fragmentos: indícios psicológicos e comportamentais para o jogo naturalista que acaba por produzir, apesar de tudo, a ilusão da totalidade; momentos singulares de uma improvisação ou de uma seqüência gestual incessantemente reelaborados, laminados, cortados e recolados para uma montagem de ações físicas em Meyerhold, Grotowski ou Barba. A análise da seqüência de jogo só pode ser feita levando em consideração o conjunto da representação, repondo-a na estrutura narrativa que revela a dinâmica da ação e a organização linear dos motivos. Assim, ela chega à análise da representação. Por exemplo, é possível distinguir, no trabalho gestual, vocal e semântico do ator, vários grandes tipos de vetores. O vetor define-se como uma força e um deslocamento desde certa origem até um ponto de aplicação e segundo a direção dessa linha que vai de um ponto a outro. Distinguiremos quatro grandes tipos de vetores:<br /><br />1. acumuladores; condensam ou acumulam vários signos; 2. conectores: ligam dois elementos da seqüência em função de uma dinâmica; 3. podadores: provocam uma ruptura no ritmo narrativo, gestual, vocal, o que torna atento ao momento em que o sentido "muda de sentido"; 4. mobilizadores: fazem passar de um nível de sentido a outro ou da situação de enunciação aos enunciados.<br /><br />Esses vetores são o arcabouço muito elementar do trabalho do ator, que é, obviamente, muito mais fino e lábil, constituído por uma miríade de micro-atos, de matizes infinitos da voz ou do gesto. Eles são, no entanto, indispensáveis para que o ator seja, ao mesmo tempo, coerente e "legível" e que funcione como uma orientação e um amplificador para todo o resto da representação.<br /><br />De fato, o ator só tem sentido em relação ao seus parceiros na cena: é preciso, portanto, anotar como ele se situa diante deles, se o seu jogo é individualizado, pessoal ou típico do jogo do grupo; como ele se inscreve na configuração (o blocking, como se diz em inglês) do conjunto. Como, porém, descrever o gesto por um discurso sem que ele perca toda e qualquer especificidade, todo e qualquer volume, toda e qualquer intensidade, toda e qualquer relação vivificante com o resto da representação? O trabalho do ator compreende-se apenas se for recolocado no contexto global da encenação, lá onde ele participa na elaboração do sentido da representação inteira. Anotar todos os detalhes não serve para nada, se não virmos em que esse trabalho se prolonga na representação inteira.<br /><br /><br />Pragmática do jogo corporal<br /><br /><br />A descrição do ator exige uma abordagem ainda mais técnica para apreender a variedade do trabalho corporal executado. Partiremos, por exemplo, da pragmática do jogo corporal tal como a descreve Michel Bernard ao determinar os sete operadores seguintes:<br /><br />1. A extensão e a diversificação do campo da visibilidade corporal (nudez, mascaramento, deformação, etc.). Em suma: da sua iconicidade.<br />2. A orientação ou disposição das faces corporais relativamente ao espaço cênico e ao público (face; costas, perfil, três quartos, etc.).<br />3. As posturas, quer dizer, o modo de inserção no solo e mais amplamente o modo de gestão da gravitação corporal (verticalidade, obliqüidade, horizontalidade...).<br />4. As atitudes, quer dizer, a configuração das posições somáticas e segmentares com relação ao ambiente (mão, antebraço, braço, tronco/cabeça, pé, perna...).<br /><br />5. Os deslocamentos ou as modalidades da dinâmica de ocupação do espaço cênico.<br />6. As mímicas enquanto expressividade visível do corpo (mímicas do rosto e gestuais) em seus atos tanto úteis quanto supérfluos, e, conseqüentemente, do conjunto dos movimentos percebidos.<br />7. A vocalidade, quer dizer, a expressividade audível do corpo e/ou dos substitutos e complementos (ruídos orgânicos naturais ou artificiais: com os dedos, os pés, a boca, etc.).<br /><br />Estes sete pontos de referencia de Michel Bernard possibilitam uma discussão precisa da corporalidade do ator, o que é um meio de anotar e de comparar diferentes usos do corpo. Poderíamos acrescentar-lhes outros dois: os efeitos do corpo e a propriocepção do espectador.<br /><br />8. Os efeitos do corpo. O corpo do ator não é um simples emissor de signos, um semáforo regulado para ejetar sinais dirigidos ao espectador; ele produz efeitos sobre o corpo do espectador, quer os chamemos energia, vetor de desejo, fluxo pulsional, intensidade ou ritmo. Como veremos mais adiante com a análise de Ulrike Meinhof, tais efeitos são mais eficazes do que uma longa explicação de signos gestuais pacientemente codificados e depois decodificados na intenção de um espectador-semiólogo "médio". Daí esta observação de Dort: o ator seria o anti-semiólogo por excelência, já que destrói os signos da encenação em vez de os construir.<br />9. Propriocepção do espectador. Já não se trata diretamente de uma propriedade do ator, mas da percepção interna, pelo espectador, do corpo do outro, das sensações, dos impulsos e dos movimentos que o espectador percebe do exterior e transfere para si mesmo. (4)<br /><br /><br />As "técnicas do corpo" para uma antropologia do ator<br /><br /><br />Todas as descrições da semiologia e da pragmática preparam para uma antropologia do ator, ainda a inventar, que formularia do modo mais concreto possível perguntas ao ator e a seu corpo, perguntas que a análise do espetáculo deve sistematicamente dirigir a toda e qualquer encenação.<br /><br />1. De que corpo o ator dispõe antes mesmo de receber um papel? Em que ele já está impregnado pela cultura ambiente e como esta se alia ao processo de significação do papel e do jogo? Como o corpo do ator "dilata" a sua presença assim como a percepção do espectador?<br /><br />2. Que é que o corpo mostra, que é que o corpo esconde? Que é que a cultura, de San Francisco a Ryad, aceita revelar para nós da sua anatomia, que é que ela escolhe para mostrar e esconder, e em que perspectiva?<br /><br />3. Quem é que segura os cordéis do corpo? Ele é manipulado como uma marionete ou dá por si mesmo, e por dentro, suas ordens de marcha? E onde é que o piloto tem sua sede?<br /><br />4. O corpo é centrado sobre si mesmo, levando toda e qualquer manifestação a um centro operacional de onde tudo parte e para onde tudo volta? Ou então o corpo está descentrado, colocado na periferia de si mesmo, tendo importância sobretudo para o que já está apenas na periferia?<br /><br />5. Que é que, no seu meio cultural ambiente, passa por um corpo controlado ou por um corpo "desenfreado"? Que é que será vivido como um ritmo lento ou rápido? Em que o afrouxamento ou a aceleração de uma ação mudarão o olhar do espectador, solicitando o seu inconsciente ou provocando a sua exaltação?<br /><br />6. Como o corpo do ator, corpo que fala e que representa, convida o espectador a "entrar na dança", a adaptar-se ao sincronismo e a fazer convergir os comportamentos comunicacionais?<br /><br />7. Como o corpo do ator/atriz é "vivido" visualmente? Cineticamente ao perceber o movimento? Hapticamente (efetuando o movimento)? Em perspectiva desordenada ou então vinda de dentro, segundo que acontecimento cinético e estésico? Como estimula a memória corporal do espectador, sua motricidade e sua propriocepção?<br /><br />8. Em suma, para formular a pergunta junto com Barba, o ator muda de corpo a partir do momento em que troca a vida quotidiana pela presença cênica e pela energia abundantemente dispensada? Em que ele continua sempre, para o espectador, um "estrangeiro que dança" (Barba)? (5)</div>Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2337595091254612252.post-57456986495164347472008-05-21T18:12:00.001-07:002008-05-21T18:12:39.759-07:00PARADOXO"O comediante por natureza é amiúde detestável e às vezes excelente. Em qualquer gênero que seja, desconfiai da mediocridade constante. Qualquer que seja o rigor com que um estreante seja tratado, é fácil pressentir seus triunfos vindouros. As vaias sufocam apenas os ineptos. E como formaria a natureza sem a arte um grande comediante, já que nada se passa exatamente no palco como na natureza, e que os poemas dramáticos são todos compostos segundo um certo sistema de princípios? E como seria um papel desempenhado da mesma maneira por dois atores diferentes, se no escritor mais claro, mais preciso, mais enérgico, as palavras não são e não podem ser senão signos aproximados de um pensamento, de um sentimento, de uma idéia; signos cujo valor o movimento, o gesto, o tom, a fisionomia, os olhos, a circunstância dada completam? Quando ouvis estas palavras:<br />... O que faz aí vossa mão?<br />– Apalpo o vosso traje, o seu tecido é macio.<br />O que sabeis vós? Nada. Ponderai bem o que segue, e concebei como é freqüente e fácil que dois interlocutores, empregando as mesmas expressões, tenham pensado e dito coisas totalmente diversas. O exemplo que disso vos darei é uma espécie de prodígio; é a obra mesma de vosso amigo. Perguntai a um comediante francês qual a sua opinião a respeito, e este concordará que tudo nele é verdadeiro. Fazei a mesma pergunta a um comediante inglês, e ele vos jurará by God que não há sequer uma frase a mudar, e que é o puro evangelho da cena. Entretanto, como não há quase nada em comum entre a maneira de escrever a comédia e a tragédia na Inglaterra e a maneira por que se escrevem esses poemas em França, pois, segundo o modo de pensar mesmo de Garrick, quem sabe representar perfeitamente uma cena de Shakespeare não conhece o primeiro acento da declamação de uma cena de Racine; pois enlaçado pelos versos harmoniosos deste último, como por outras tantas serpentes cujos anéis lhe estreitam a cabeça, os pés, as mãos, as pernas e os braços, sua ação perderia com isso toda a liberdade: segue-se evidentemente que o ator francês e o ator inglês, que concordam unanememente quanto à verdade dos princípios de vosso autor, não se entendem, e que há na linguagem técnica do teatro uma latitude, um vago bastante considerável para que homens sensatos, de opiniões diametralmente opostas, creiam reconhecer aí a luz da evidência. E continuai mais do que nunca apegado à vossa máxima: Não vos expliquei nunca se quereis vos entender."Zé Adão Barbosahttp://www.blogger.com/profile/01164143402121561529noreply@blogger.com0