quarta-feira, 21 de maio de 2008

PARADOXO

"O comediante por natureza é amiúde detestável e às vezes excelente. Em qualquer gênero que seja, desconfiai da mediocridade constante. Qualquer que seja o rigor com que um estreante seja tratado, é fácil pressentir seus triunfos vindouros. As vaias sufocam apenas os ineptos. E como formaria a natureza sem a arte um grande comediante, já que nada se passa exatamente no palco como na natureza, e que os poemas dramáticos são todos compostos segundo um certo sistema de princípios? E como seria um papel desempenhado da mesma maneira por dois atores diferentes, se no escritor mais claro, mais preciso, mais enérgico, as palavras não são e não podem ser senão signos aproximados de um pensamento, de um sentimento, de uma idéia; signos cujo valor o movimento, o gesto, o tom, a fisionomia, os olhos, a circunstância dada completam? Quando ouvis estas palavras:
... O que faz aí vossa mão?
– Apalpo o vosso traje, o seu tecido é macio.
O que sabeis vós? Nada. Ponderai bem o que segue, e concebei como é freqüente e fácil que dois interlocutores, empregando as mesmas expressões, tenham pensado e dito coisas totalmente diversas. O exemplo que disso vos darei é uma espécie de prodígio; é a obra mesma de vosso amigo. Perguntai a um comediante francês qual a sua opinião a respeito, e este concordará que tudo nele é verdadeiro. Fazei a mesma pergunta a um comediante inglês, e ele vos jurará by God que não há sequer uma frase a mudar, e que é o puro evangelho da cena. Entretanto, como não há quase nada em comum entre a maneira de escrever a comédia e a tragédia na Inglaterra e a maneira por que se escrevem esses poemas em França, pois, segundo o modo de pensar mesmo de Garrick, quem sabe representar perfeitamente uma cena de Shakespeare não conhece o primeiro acento da declamação de uma cena de Racine; pois enlaçado pelos versos harmoniosos deste último, como por outras tantas serpentes cujos anéis lhe estreitam a cabeça, os pés, as mãos, as pernas e os braços, sua ação perderia com isso toda a liberdade: segue-se evidentemente que o ator francês e o ator inglês, que concordam unanememente quanto à verdade dos princípios de vosso autor, não se entendem, e que há na linguagem técnica do teatro uma latitude, um vago bastante considerável para que homens sensatos, de opiniões diametralmente opostas, creiam reconhecer aí a luz da evidência. E continuai mais do que nunca apegado à vossa máxima: Não vos expliquei nunca se quereis vos entender."

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