quinta-feira, 2 de abril de 2009

CLAUDIA GIMENEZ

Comecei fazendo teatro infantil no Tijuca Tênis Clube junto com Bia Seidl. Já naquela época queríamos ser atrizes. Não éramos sócias do clube, mas nos aceitaram. Ficamos por lá durante um bom tempo.
Formamos um grupo de teatro amador e passamos a fazer aniversário de criança. Em determinados sábados chegávamos a fazer três festas. Encenamos todas as peças da Maria Clara Machado e da Silvia Orthof. Era como sobrevivíamos.
Até que soube de um grupo que fazia teatro na Veiga de Almeida. Antonio De Bonis era professor e estavam montando “Hoje é Dia de Rock”. Ganhei o papel da filha cega (Rosário). Fiquei revoltada. E olha que era a personagem mais difícil da peça. Mas eu queria movimento. Até que a atriz que fazia a mãe (Adélia) ficou grávida. De Bonis ia chamar uma outra atriz para substituí-la. Só que eu disse para ele: “ah, não. Agora é a hora de eu entregar essa cega de volta”. Ensaiei à beça e ele me deu o papel.
Um outro grupo também estava montando “Hoje é Dia de Rock” no Theatro Municipal. A atriz que interpretava a mãe ficou doente e me “pediram emprestada”. Participei da apresentação de um outro grupo, com outro elenco, sem saber marcação nenhuma. Foi muito engraçado.
Damião (Carlos Wilson) me disse que haveria uma montagem de “Ópera do Malandro” e passou o contato do Luiz Antônio Martinez Corrêa. Fui na casa dele, disse que era atriz, ainda que não profissional, perguntei se ele não tinha nenhum papel para mim na montagem. Ele era adorável. Começou a falar sobre um monte de coisas e eu não entendia nada. Mas gostou de mim. Disse para eu fazer um teste com John Neshling. Passei e fui fazer “Ópera do Malandro”.
Estava fazendo “Ópera do Malandro” em São Paulo. O José Possi Neto me deu “Valsa nº6” para ler. Botei na gaveta e ficou lá um tempão. Até que um dia peguei para ler. Liguei para o Possi e disse: “Você está doido. Como eu vou fazer isso? É muito dramático”. Não aceitei. A temporada da “Ópera” terminou e peguei o texto de novo. Decidi chamar a Louise Cardoso para me dirigir. Ela não pode e sugeriu que eu procurasse a Sura Berditchevsky, que topou na hora. Chamamos um psicanalista junguiano para trabalhar conosco porque a “Valsa nº6” é repleto de simbologias. Foram quatro meses de ensaio. Aprendi a tocar um pedaço da “Valsa nº6” sem nunca ter encostado num piano. Estudávamos mitologia. Considero o meu melhor trabalho.
Na época ainda não fazia televisão. Viajamos o Brasil todo com a peça. Até que apresentei no Teatro Paiol, em Curitiba. Anos depois voltei à cidade com “Como encher um Biquíni Selvagem”, no Guairão. No último dia disse ao público: “estive aqui há anos atrás com ‘Valsa nº6’ no Paiol e vocês não foram me ver. Mas jurei que um dia ainda iria lotar esse Guairão”.
Em “Ópera do Malandro” cantava “Folhetim”. Um dia, os músicos deram a introdução da música e eu, ao invés de começar a cantar “Se acaso me quiseres...”, cantei “O primeiro que chegou...”. E fui até o fim. A partir deste dia passaram a perguntar: “o que você vai cantar hoje?”
Tenho vontade de dirigir Mariana Ximenes numa montagem de “Valsa nº6”. Já falei várias vezes, mas ela tem medo.
Participei de uma montagem de “Cândido”, de Voltaire, dirigida pelo Jorginho (Jorge Fernando). Eu ia interpretar a ama, mas Maitê Proença teve algum problema e saiu do espetáculo. E aí Jorginho decidiu me colocar no lugar dela, fazendo a Cunegundes. Eu perguntei a ele: “como vou fazer coreografias, danças, rolamentos?” Naquela época estava uns 20 quilos mais gorda do que hoje em dia. Ricardo Blat fazia meu namorado. Cantar não era o problema, mas dançar... E num elenco formado por Cláudio Tovar, Paulete, Tania Nardini e Mônica Torres. Fiz uma personagem estilizada.
Mauro Rasi escreveu “Batalha de Arroz num Ringue para Dois” para mim e Miguel. Na época eu não pude fazer e o Miguel decidiu montar com a Bia Nunes. Muitos anos depois, o Mauro ficou muito doente e eu e Miguel decidimos montar. Até para ele poder ver encenado – afinal, tinha escrito para nós. Acho que foi o último presente que pudemos dar a ele.
Fiquei muitos anos ligada ao exercício da comédia. Mas chegou um momento em que o histrionismo começou a me incomodar. Eu estava me sentindo mais Claudia do que as personagens. Pensei: “quero ver se sou atriz mesmo. Vou fazer 50 anos e quero fazer um trabalho que fale sobre família”. Porque quando a gente chega nessa idade começa a querer juntar tudo o que sobrou da infância e da juventude. E a pensar o que vamos levar daqui para frente. Um amigo psiquiatra sugeriu “No Natal a gente vem te buscar”. A ficha caiu. Liguei para o Naum (Alves de Souza) e chamei a Analu (Prestes), que participou da montagem com Marieta (Severo), para participar da leitura.
Foi um trabalho muito difícil. Naum é das antigas, tem um método de trabalho bastante diferente de tudo o que já fiz. Eu queria desesperadamente buscar o humor no texto, mas percebi que precisava esperar o humor me buscar. Houve um momento em que quis desistir. Porque o texto tem cenas bastante dramáticas, bem difíceis para mim. Um dia cheguei em casa e pensei: “estou querendo provar o que e para quem? Vou botar Ana Beatriz Nogueira no meu lugar e ficar apenas na produção”.
Eu queria me emocionar, mas comecei a perceber que tinha que emocionar a platéia. Sou uma atriz. Não tenho que fazer catarse todo dia em cena, no sentido de ficar lembrando do meu pai que morreu, da minha mãe que vai morrer daqui a pouco. Tudo bem que haja algumas apresentações em que nós nos emocionemos, a própria platéia nos fornece isto de vez em quando. Mas há dias mornos, em que nada de especial acontece, e o ator precisa chegar lá e fazer aquela cena dramática. Entendi que um bom método para quando não estiver com a emoção bombando dentro de mim é procurar visualizar cada palavra antes de falar. Aí o texto não sai da boca para fora.
Marieta Severo fez a Solteirona de um jeito diferente do meu. Afinal, ela nunca exercitou a comedia como eu. Então, abordou um outro lado da personagem.
Marieta foi a minha primeira colega de camarim e me ensinou muito sobre disciplina. Ela ensaiava 12 horas seguidas.
Em relação a Ernani (Moraes), o vi pela primeira vez numa peça do Grupo Tapa , “A Megera Domada”. Fiquei encantada. Tem uma autoridade cênica que nunca vi em outro ator. É uma criança, como todo ator deve ser. Fizemos uma novela juntos (“Torre de Babel”) e depois “Pequeno Dicionário Amoroso” no teatro, um espetáculo que apresentamos durante quatro anos. Quando surgiu o projeto de “No Natal a gente vem te buscar”, ele já estava dentro. Nem que não tivesse personagem masculino – ele faria algum feminino...
Ary Fontoura foi um colega muito importante para mim. Uma noite falei com ele: “há uma construção de piada no texto, mas que acaba não funcionando em cena”. Ele disse: “vai lá e divide em duas respirações”. Fiz e o teatro veio abaixo.
Adorei trabalhar com a Cleyde Yáconis. Uma colega maravilhosa. Pensava: “como vou fazer a personagem do meu jeito contracenando com ela, toda elegante?” Mas ela me aconselhou a botar para quebrar porque assim criaria um contraponto divertido entre nós duas.
A relação com o meu pai nunca foi legal porque ele ignorava a minha existência. Quando meu pai morreu, saí do enterro para fazer a “Ópera do Malandro”. Se você estiver em cartaz num momento difícil da sua vida, como aconteceu comigo quando tive câncer, o teatro é restaurador. Muitas vezes quando estava em cartaz, me vi resolvendo coisas dentro de mim. Durante a apresentação, resolvia a questão.
Depois de sobreviver a um câncer, tudo muda na sua vida. Fazia quimioterapia e vomitava 12 horas seguidas. E depois, desmaiava. Acho que “No Natal a gente vem te buscar” também tem a ver com a cirurgia cardíaca que fiz.
Marcello Mastroianni dizia: “de onde mais posso tirar as emoções para o meu trabalho senão de minha própria vida?” Todos os personagens que o ator faz são lados dele. Acho que me tornei uma atriz e uma pessoa melhores a cada processo doloroso que vivi.
Redimensionei muito as coisas. Dei o tamanho que elas têm. Hoje em dia é preciso que algo de muito grave aconteça para me tirar do eixo.
Minha mãe queria que eu fizesse faculdade, como as minhas quatro irmãs. Mas eu nunca gostei de estudar. Minha mãe era mais chamada no colégio do que eu. Odiava o colégio, queria sair dali de qualquer jeito. Até o dia em que xinguei a Madre Superiora e fui expulsa. Fui mostrando para minha família que o melhor seria procurar o meu caminho – e que aquele, definitivamente, não era.
Meus colegas me pediam para não faltar à aula de religião. Já era palhaça desde aquela época. Sempre gostei de platéia.
Eu acho errado, mas não estudo nada. Só a peça que estou fazendo. Se não fosse atriz, seria psicanalista. Se sento para estudar alguma coisa, costuma ser ligado a esta área. Já li vários livros de Freud e Jung.
Cheguei a cursar um pouco da Escola Martins Pena, mas só assistia à aula do Luiz Carlos Maciel. Não posso mentir. Não sou uma estudiosa e sim uma intuitiva.
Hoje vejo os meus sobrinhos com dificuldade de escolher carreira. Digo: “escolham o que dá tesão. Senão, serão medíocres”.
Quando você entra em cena, o público já te acolhe. Porque você é gordinha – então, dão um desconto.
Tempo de comédia ou é fácil ou é impossível. Você nasce ou não com aquilo. Há colegas que dizem: “não vou fazer peça com você. Não sou bobo”.
Nunca fiz uma vilã. O principal é o personagem ter a ver comigo. Se for uma vilã engraçada, pode ser que dê certo.
Adoro teatro infantil. Se você consegue prender a atenção de uma platéia de crianças, consegue qualquer coisa na vida. Fiz “A Bela Aborrecida”, um musical do Paulo César Coutinho. Ficamos um ano em cartaz. Mas sobreviver de teatro infantil é difícil porque só tem aos sábados e domingos e na hora de escolher a maior parte dos atores acaba optando pelo teatro adulto.
Lembro que uma vez levei minha sobrinha de três anos para assistir a uma montagem de “João e Maria”, do Daniel Herz. Ela ficou com tanto medo que me perguntava a todo momento: “é tudo de mentira, né?” Era peça infantil, mas parecia filme do Bergman. Adoro o Daniel, mas aquela montagem...
Daniel fazia Faculdade de Economia. O pai dele é um alemão bravo. Ele decidiu largar economia e pensou: “como vou falar isto para o meu pai?” Eu disse: “deixa que eu falo”. Fomos jantar na casa dele e eu disse para o pai que ele iria largar economia e fazer teatro. O pai perguntou: “e enquanto ele estiver tentando, quem vai sustenta-lo?” Eu respondi: “você”. Ele disse: “está bom”.
A televisão tem o seu encanto. Sem falar que é uma vitrine maravilhosa para lotar o teatro.
O trabalho de que mais gostei na TV foi a “Escolinha do Professor Raimundo”. Trabalhei com Walter D’Ávila, Nadia Maria, Berta Loran. Foi a minha Sorbonne. Fiquei lá durante seis anos. E a melhor novela foi “Torre de Babel”.
Saí de “7 pecados” e podia ter montado uma comédia romântica com o Rodrigo (Phavanello). Mas optei por um outro caminho. Para mim fazer “No Natal a gente vem te buscar” é uma experiência. Porque normalmente as pessoas não querem mexer em time que está ganhando.
Para o “Sai de Baixo” chegávamos em São Paulo na segunda de manhã, ensaiávamos até a tarde. Aí entrava a primeira platéia. Fazíamos e entrava a segunda platéia. Fazíamos de novo. Depois o diretor editava as duas apresentações.
O texto era muito fraco, mas havia as brincadeiras particulares entre eu e Miguel. Nós trazíamos a coxia para a cena.
Tom Cavalcanti é humorista. Faz imitações muito bem. Uma vez estávamos no palco e ouvimos barulhos de duas mulheres brigando na coxia. Corremos para ver o que estava acontecendo e era ele fazendo as duas.
É maravilhoso trabalhar com Jô Soares. Um craque no que faz. Mas é um humorista, que gosta de contar histórias.
Chego ao teatro, vou me maquiando, entrando no clima, tomo um cafezinho, falo uma bobagem. Antes de entrar em cena, rezo e falo: “o Espírito Santo habita em mim”. E entro em cena. E só o que eu faço.
Não sei se cinema é para mim. É uma arte muito elaborada e delicada e sou uma atriz mais espaçosa. No cinema o diretor diz “menos, “menos”. Vou fazer sempre que me chamarem, mas meu veículo é o teatro.
Não fiz “Polaróides Urbanas” pelo seguinte: escrevi “Como encher um Biquíni Selvagem” junto com o Miguel. Fiquei sete anos em cartaz com esta peça, na qual interpretava todos os 11 personagens. Se hoje, inclusive, posso fazer só o que quero, foi o “Biquíni” que me proporcionou isto. Quando surgiu o projeto do filme, fui na leitura do texto. Eu iria fazer as irmãs gêmeas, Magda e Magali. Mas percebi que havia uma amálgama unindo aquelas personagens. Vi que não seria bom para mim. E fiquei com ciúmes ao ver outros atores falando o meu texto. Disse: “Miguel, vou te privilegiar com a minha ausência”. Não me arrependi e adorei o filme.
Quero montar “Gota D’água”, com direção de Antonio De Bonis. Eu ia fazer, mas Isabella (Bicalho) já estava com os direitos.
Os teatros de São Paulo têm 1500 lugares; aqui, 480. Lá ganhamos mais dinheiro. Mas o público é igualmente encantador nas duas cidades.
Quase todas as peças que faço, produzo. É bobagem contratar um profissional para produzir porque sei que as montagens farão sucesso. Mas há pessoas que sempre me ajudam nesta empreitada.O ator tem que saber a hora de parar – mas só quando estiver dentro de um caixão.

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